segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)
Texto inspirado na canção do disco “África Brasil” de 1976 de Jorge Ben
Pra baixar o disco vai aqui ô ... http://nobrasil.org/0358-jorge-ben-africa-brasil/
Praia do Leblon
Domingo de Carnaval de 1976
_ Porra Africano, toca essa bola.
Africano com um meio sorriso no rosto, finta um, dois, três antes de chutar no gol, o goleiro se esforça e joga a bola pra escanteio.
_ Vai ser fominha hein negão.
Africano tem 18 anos, preto como petróleo, seus antepassados Bantos vieram em navios negreiros e foram escravos no interior da Bahia. Ele é de falar pouco e quando joga bola arrebenta. Juvenil do Flamengo, espera sua chance no time principal. Ele sabe que vai chegar sua hora. Todos sabem.
O escanteio é batido, um jogador cabeceia, o goleiro espalma, a bola sobra para Africano. Ele podia chutar de primeira, mas traz a pelota pra perto de si, a mata lindamente como se a bola estivesse suavemente colada aos seus pés descalços e calejados da areia quente da praia. Dá um cortezinho pra esquerda, olha rapidamente de soslaio por sobre o amontoado de jogadores à sua frente e bate pro gol. A bola caprichosamente passa por todos. Morre na rede do lado direito do goleiro, que apenas olha.
No caso de Africano a bola não morreu na rede, nasceu.
Ele sai gargalhando a passos largos, com suas pernas esquias de canelas duras moldadas no sobe e desce das escadarias do morro.
3 a 0.
Próximo time.
A pequena torcida que assiste, aplaude o golaço. Ele imagina os mesmos aplausos vindos das arquibancadas do Maracanã, num jogo de final.
Sai do campo em direção ao mar, pra dar um mergulho.
_ Porra negão vai afinar é ? Não vai jogar mais ?
_ Não.
_ Bichinha.
_ Vai se foder Boiadeiro.
Boiadeiro é amigo do Africano desde moleque, e mesmo sendo quatro anos mais velho, era o amigo, mais forte e malandro, que o defendia nas brigas de rua. Trabalha no Jóquei Clube, cuidando dos cavalos, coisa que detesta.
“Só grã-fino, que acha que o mundo parou pra eles. Gente metida.”
Sonha em mudar de vida, juntar dinheiro e ir com a mulher e as duas filhas para o Mato Grosso, estado onde nunca esteve mas que seu pai conta aos quatro ventos ser o lugar mais lindo do mundo. Mexer com coisas de vaqueiro, cuidar de gado e não ficar limpando a bunda de cavalo de madame. Se o Rio é a cidade, o Mato Grosso é o Estado Maravilhoso. Ao menos pra Boiadeiro.
Saindo do mar, em direção ao Quiosque de São Vitor, o papo dos dois descamba na rivalidade Fla x Flu.
_ Porra, o Maracanã chama Mario Filho porque ele era torcedor do Fluminense. O Chico é Flu. Dolores, aquela gostosura minha vizinha é Flu. Poxa, o Flamengo saiu do Flu amigo. Não adianta, vocês tem de pedir “bençá” pra nós.
_ Que nada rapaz, Flu é time de grã-fino igual àqueles que tu tem de babar ovo nas corridas do Jóquei. Mengão é time da massa. Gente pobre igual à gente tem de torcer pro Flamengo. Você acha que eles aceitam qualquer negão lá no Flu. Tem de ser filho de empregada de algum cartola pra jogar lá.
_ Ah para com isso Africano, você não sabe do que está falando. Fluminense é povão, primeiro time do Brasil.
_ Ah isso não, você tá por fora mesmo Bóia. O primeiro time é o Vasquinho porra. Já veio com os portugueses, chegou aqui e tomou de 4 a 0 do time dos índios, que nem sabiam jogar bolar, só pegar coco.
Hahahahahahaha.
Os dois caem na gargalhada que não se agüentam e sentam pra tomar uma cerveja.
Ao longe, em alto mar, fora da arrebentação, na calmaria do oceano, um solitário surfista sentado em sua prancha retira do bolso do short um saquinho plástico muito bem vedado, onde há um isqueiro e um baseado. Acende e observa, em silêncio, toda a cidade do Rio de Janeiro à sua frente, tendo como testemunha apenas a maresia do Atlântico e seu imenso amigo sol.
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2 comentários:
joga bola, jogadô!!!
Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum.Free.
Roberto, corta essa!
Ademir
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