terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Vênus in Chamas


Vênus saiu das águas numa manhã de Sol muito forte em Copacabana. De repente, algo ocorreu na praia, algo peculiar. As pessoas, homens e mulheres começaram a observar aquela moça. Tão bonita em sua beleza irretocável, era algo simplesmente diferente, extasiante. Ela era muito mais bonita do que qualquer banhista, modelo, atriz ou vizinha de condomínio. Um corpo perfeito, um cabelo que começou a secar ao sol e que formava um volume que realçava seus olhos e rosto. Ela era o desejo em pessoa. Ao ser vista, pensamentos ardentes se materializavam no ar. O seu jeito era febril. Ela era etérea e significava simplesmente, tudo. Era impossível não olhá-la ao caminhar atravessando a areia quente.
Ajoelhou e disse a um rapaz - atônito, ele tremia.

Posso pegar seus chinelos.
São da minha mulher... mas pode sim
E a canga?
Claro, leva.

Continuou seu desfile, num gingado sublime.
Passou na barraca e pegou uma água de coco. Simplesmente apenas tocou o balcão e sorriu aos freqüentadores.
Ao chegar ao calçadão, o trânsito foi seu mar na cidade.
Distraída, passeou seus chinelos e dedos delicados pela vista dos retrovisores e vidros fumês, e os motoristas – ah! os motoristas !!! – eles começaram parar, descer dos carros e filma-la.
A claridade da manhã incidia sobre o caos fazendo tudo ficar leve pueril e simples. As mazelas os defeitos as raivas os pecados os segredos e as desgraças, e também os medos, tudo se dissipava ali, na instância daquela mulher.

Aos poucos, uns passos rápidos às suas costas surgem.

Ei ei minha mulher quer os chinelos dela de volta, e a canga
Os chinelos...?
É sim, sim

Ela o olha, ele não resiste
Ele a beija eles se beijam
Que isso você ta beijando essa mulher, que porra é essa

Eles se separam
Que putaria é essa porra
Nada ... nada... você é linda demais, meu Deus


Ele se ajoelha e pega sua mão
ela sorri
Ele treme sua mulher o bate
ele sorri

Que que ta acontecendo aqui (um mortal pergunta)
Essa mulher aí ta tirando a roupa no calçadão, ta doida ficando pelada (uma outra mortal diz)
Essa mulher ta mexendo com o meu marido ( a mulher dele diz)

Os olhos esbugalhados da multidão e o sorriso de Vênus se degladiam.
Eles venceram ela.
Todos querem se aproximar, ver de perto, sentir o cheiro, poder observar detalhes, nuances, pintas, formas. Há muitas vozes no ar (mortais), um turbilhão de pessoas toma o espaço em volta dela, e Vênus é tocada, beijada, acarinhada, arranhada, esmurrada, quebrada e feita em pedaços, em poucos minutos.

Alguns saíram com nacos do seu corpo envoltos em suas camisas, correndo pela avenida e sendo perseguidos por outros menos afortunados, uns levaram suas partes ao mar e nadaram até o meio do oceano atlântico pra morrerem loucos apenas pra ficar na exata solidão com seu pedaço ideal dela; fosse uma mão apodrecendo do sal quente do mar, ou uma parte do seu lábio inferior e queixo, cova e pele morta.

Isso foi numa manhã em Copacabana...
O fato não repercutiu.
Foi hedonismo supremo.
Todos os envolvidos negam e ficou o pensamento pra quem não conseguiu sua parte da deusa; mesmo se indignando com os estupros e casos de pedofilia nos telejornais, a vaga idéia “- mas dela eu devia ter arrancado um pedaço”

#

2 comentários:

A Wild Garden disse...

Surreal é uma palavra fraca para descrever esta deliciosa crônica. Ou será conto? Seja o que for: letras! Isso sim são letras e não a faculdade.

Robisson de Albuquerque disse...

faculdade é legal também
a gente tem de deixar ela se apoderar da gente no melhor sentido
do frenessi do saber