HOMEM 1 - Você não tem nada a ver com o acontecido né?
EU - Eu? Como assim? O que querem dizer?
HOMEM 1 - Olha só, nós lhe investigamos esses últimos dias. Te
seguimos, te gravamos, até vimos você cagar e a cor da tua bosta, então relaxa.
Sei mais de você, nesse momento, do que tua mãe ou teu pai.
EU - Cara, do que você tá falando? Por que me seguiram, me
gravaram?
HOMEM 1 - É nosso trabalho, meu jovem. E vou te dizer mais. Esse fato,
esse caso que aconteceu, nós estamos muito empenhados em resolver.
EU - Mas que caso? Do que vocês estão falando?
HOMEM 2 - Deixa eu falar com esse porra. Escuta aqui mermão, vou ser
direto contigo. Se mentir pra mim, uma vez só, te cubro de porrada, aliás se
não responder direito o que queremos saber, o que te perguntarmos, vou te
passar no “metal”. Tá entendendo?
EU - Sim.
HOMEM 2 - Ok?
EU - Sim.
HOMEM 2 - Bom, então responde ao que o meu amigo aqui te perguntar,
sem dar meia volta, certo? Papo reto.
EU - Tudo bem.
HOMEM 1 - Obrigado pela interferência. Bem, nos lhe investigamos nos
últimos dias, e ao que parece você, que era para nós um dos principais
suspeitos de ser um cúmplice, não tem nada a ver com o fato. Você é só um cara
comum. Você lê muito. Mora sozinho, sai pela manhã pro teu trabalho, lê deitado
pelado de janela aberta o mesmo livro há dias, come mal e fuma muito cigarro.
EU - Sim, de certa forma esse sou eu. Ando fumando muito.
HOMEM 1 - E você tem umas passagens né? Por porte de drogas.
EU - Tenho, foi numa blitz que aconteceu. A polícia parou nosso
carro e tava todo mundo doidão, revistaram e encontraram maconha.
HOMEM 1 - Era bastante maconha, por sinal.
EU - A gente fumava muito.
HOMEM 1 - Entendo.
EU - Mas isso faz tempo. Eu sou um cara do bem, policiais. Não
estou entendendo nada até agora. Vocês vieram me abordar por causa dessa
maconha, de anos atrás? Por que?
HOMEM 1 - Nada disso meu amigo, estamos interessados em saber da sua
participação no que ocorreu no condomínio da Praça do Retorno. Entendeu?
EU - Caralho, mas eu não tenho nada a ver com o que aconteceu
lá. Não tenho nada a ver. Eu fiquei muito chocado com tudo, também. Muito
chocado. Foi terrível.
HOMEM 1 – É, foi terrível. Sabemos disso. E por isso é que estamos
aqui pra resolver essa porra. E te digo, alguma coisa ou alguém, teremos de
entregar pra o delegado, logo.
EU - Opa, mas espera aí. Calma lá. Vocês querem me pôr nessa
história, sendo que eu não tenho nada a ver com isso?
HOMEM 1 - Não sei. Você não tem nada a ver? Você é a “cara” mais
vista nos vídeos de segurança do prédio, nas câmaras de monitoramento. E teu
comportamento foi suspeito, muito suspeito.
EU – Tá, mas e daí?
HOMEM 1 - E daí? E daí você que me diz. Você sempre ia no mesmo
horário na praça, sentava no mesmo banco em frente ao condomínio e ficava
observando os carros e os moradores entrando e saindo. Seus horários e os
detalhes mais pontuais, as trocas de turno dos porteiros, as empregadas que
chegavam com as compras, as babás trazendo as crianças da escola. Sempre entre
5h30 e 7h. Todos os dias, durante várias semanas, você repetiu esse
comportamento. Ou estou mentindo?
EU - Não, não está. Mas não posso ser acusado de ser cúmplice só
por estar na hora errada no lugar errado.
HOMEM 1 - Isso é você que está dizendo, meu jovem, você que está
dizendo. A suspeita é de que você vigiava o lugar e repassava as informações e
os roteiros para o resto da quadrilha. O crime ocorreu exatamente no mesmo horário
de fim de tarde, em que você visitava o local.
EU – Puta que pariu, não tô acreditando nisso que tá
acontecendo!
HOMEM 1 - Não? Certo. E como explica que depois que a tragédia
aconteceu você sumiu? Não voltou mais lá, não se sentou mais nenhum dia no seu
banco de praça preferido. Não havia mais necessidade depois que o crime foi
cometido, não é?
EU - Mas claro que não voltei! Eu não quis ir mais lá, porras.
Eu fiquei chocado com tudo que aconteceu. Foi muito triste, trágico e violento.
HOMEM 1 - É mesmo? Ficou abalado foi? Certo.
EU - Foi.
...
HOMEM 1 - Você realmente não tem nada a ver com o que aconteceu?
EU - Não, não tenho. Não sou assassino e nem criminoso.
...
HOMEM 1 - Me diz uma coisa, meu jovem. O que você ia fazer lá então?
Todos os dias, nos fins de tarde até o pôr do sol, no mesmo horário, sentado no
mesmo banco da praça, o exato banco em frente ao condomínio?
...
EU – Policial, eu ia somente pensar em minha namorada e olhar os
girassóis.
...
EU - Eu gosto dela e ela gosta de girassóis.
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