Aqui do meu
barracão eu vejo as luzes da praia e da cidade, lá embaixo, e sonho um dia ir
te ver no Teatro Nacional, cantando pra todo mundo, e eu ali, num cantinho,
pensando feliz, que você canta é para mim.
Um dia terei essa
coragem de ir lhe ver, sei que você não irá se importar e até poderá me dedicar
uma música, se souber que lá estou. Mas sou tímido, não se esqueça, quero
apenas o calor de tua música a me esquentar, como um bom café, nas noites frias
aqui no alto do morro.
Disse a meus
amigos de nosso romance, e que ‘Laços’
é uma música sobre nós dois.
Ainda penso que
poderíamos nos encontrar nas tardes de domingo, para um sorvete ou uma volta de
bonde, eu juntaria algum dinheiro, economizando nos cigarros e na quentinha da
obra; é só disser a Dona Nita, que não ponha mais ovo frito, nem a parca
salada, e então poderíamos até um dia, num domingo, talvez o primeiro do mês,
ir ao cinema, claro, na matiné, pois sei dar valor a sua virtuosa mocidade e
não quero ninguém dizendo sobre moça de família, a passear com rapazote, em
noitinhas, vendo fitas de hollywood.
Digo-lhe ainda,
minha querida, que ao relembrar os encontros nos bondinhos, recorro sempre à
memória, para que nunca me esqueça de teu sorriso, sendo disfarçado, pelas
branquíssimas luvas que lhe cobriam as delicadas mãos, deixando à vista somente
teus olhos sob o chapéu de importada flanela, e eu, impactado de algo que ainda
não sabia o que era, me deixava naufragar nas águas de seus olhos, como miragem de um marinheiro à deriva, sob o sol da tarde de nossa cidade litorânea, inerte e imóvel. Em certo tipo de transe, sentado ao seu lado no bondinho.
Mas somente de
lembranças não posso mais viver.
Rezo a Nossa
Senhora e a Cosme Damião que me permitam sentir ainda mais de perto, o ar
perfumado à tua volta, e que minhas mãos de operário, no dia em que nos vermos,
estejam menos tremulas ante sua presença, para que possa acariciar sua face tão
delicada.
Uma última notícia
minha querida, venci a gagueira ao cantar no botequim nossa canção Laços e me despeço, lhe nomeando Divina,
pelas vestes que tão suavemente, em teu corpo caem.
És um ser celeste,
não restam dúvidas.
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