sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Um poema sem nome




Se meu filho se chamar Benjamin
faremos juntos um som, livre e experimental,
bem jazz, talvez com o Jack, colhendo notas,
como beija-flores sugando uns girassóis e alguns jasmins

Se minha filha se chamar Teresa
serei seu cúmplice, ligeiro, em assaltos a reinos imaginários,
ela sendo sempre muito mais companheira de fortaleza
- com a cara suja de terra, escavando túneis para nossa escapada –
do que donzela ou princesa

Se seu nome for Pablo
caminharemos pelas ruas de cidades antigas,
pisando nossos calcanhares calçamentos de pedras ancestrais,
visitando calabouços, catedrais e gargalhando em descalabro

Se seu nome for Rita
levará onde for um sorriso no rosto, e vez ou outra, ainda pequena,
andará pela casa tendo nos cabelos flores de margarida,
dançando dentro de um curto vestidinho rodado de chita

Se se chamar Benício
prevejo muitos tombos de bicicleta, joelhos ralados,
ansioso para abandonar as rodinhas, me ensinará sobre
a infante insensatez das crianças
e todos os dias serão um eterno recomeço e início

Se se chamar Manuela
gostará dos astros e se interessará pelas estrelas,
será questionadora e arisca, como as personagens de Jorge Amado,
e seus cabelos lembrarão de fato, em dado momento, os cabelos de Gabriela

Se teu nome for João Francisco
gostará de futebol, iremos a partidas em estádios
e o time que você escolher torcer será então meu novo time também
e chorarei ao seu lado nas conquistas,
dizendo ser em meu olho somente um repentino cisco

Se teu nome for Maitê
dividirei apenas em três as estações do ano,
criando uma nova e quarta primavera outonal,
onde as folhas das árvores e os frutos vibrantes florescerão
simplesmente por conta dos sorrisos que brotam em você

Se o chamarmos Joaquim
poderá ser um músico, violonista,
desses de ganhar corações com um sorriso e escrever
canções de amor sobre a disputa entre Pierrôs e Arlequins

Se a chamarmos Júlia
ouviremos discos de vinil, leremos poemas de John Lennon sobre sua xará
e aos nossos pés bolinaremos com dedinhos e dedões
nossa gata preta, que chamaremos Tertúlia

Se você se chamar Ernesto
discutiremos política e economia,
discorreremos sobre as guerras e as revoluções,
lhe explicarei sobre o Wikileaks e conceberemos, nós,
nosso particular e familiar “contra-o-mundo” manifesto

Se você se chamar Janaína
gostará do mar, do vento solar salgado na face, e quando já adulta,
morando no interior, será pelos amigos conhecida sempre;
sereia, seja das águas de cachoeira ou de fluorescente piscina

Se meu filho se chamar Dante
organizaremos nossa biblioteca pelas cores das capas dos livros,
em festiva ordem degrade, seu exemplar d’Os meninos da Rua Paulo
ao lado das minhas epígrafes e micro contos de Jorge Abrantes
e da Literatura Latina, fantástica e delirante

Se minha filha se chamar Nara
será pequena leoa delicada, de cabeleira volumosa,
sempre com as melhores perguntas na ponta da língua,
como as personagens de Drummond que um dia eu amara

Meu poema mais bonito,
ainda sem nome,
se avolumando no mundo,
silencioso e urgente
Nesse momento
eu olho e ainda não entendo,
à minha volta, venta, mas
o tempo, este parou de repente