segunda-feira, 18 de julho de 2011

Uma viagem em Techolcia




São centenas de abelhas se aproximando? 
Não, milhares


Céu fechado sobre mim

Deliro

Estou suando. Estou negro e cadavérico
Estou sendo assassinado e há moscas em minha volta
Sou Abrahan Lincoln num quarto escuro

Hienas, cães do mato e ratos são minha platéia
Aguardam em silencio para entrarem em cena
Vasculham ao redor, farejam, revolvem-se espumando e mastigando o nada

As hienas são horríveis, porque elas riem realmente
e elas tem raiva, e sobretudo, fome

Os cães do mato, subservientes, esperarão a hora em que a alcatéia abandonará minha carcaça; já bem dilacerada
e se servirão dos músculos e das partes deixadas pra trás pelas hienas

Os ratos roerão; as pontas dos meus dedos, minha língua e meus órgãos genitais

E de todo meu resto, o Sol; que assumirá seu posto, se incumbirá de dar calor
de tratar ao bronze eterno
somente agora meus duros ossos; num deserto
em alguma viagem, em que me perdi
num verão indígena
em Techolcia

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Avant Stéreo





depois do próximo outono
algumas cidades já estarão incendiadas

algumas calçadas haverão acolhido em seu colo de concreto
cadáveres dos filhos de alguém

vários jornais estamparão fotos de ilustres desconhecidos
flanando em belo e rebelde desfile

crianças aprenderão o que o gesto;
o grito silencioso, o urro,
de um punho erguido
significa

enquanto do outro lado da praça

o balé improvisado de se esquivar da morte
no dorso fúnebre
de uma avenida em marcha

e

ao seu redor,
os seus
ao redor do seus,
nós
em volta de nós;
juntos

cada
um
um
universo

venho pensando _ “pessoas são estrelas”

ultimamente
sempre que olho pro céu
acredito num certo tipo de
novo e estranho
Deus
que suspira ao redor e move o ar à sua volta

e esse Deus se chama RUA


#

terça-feira, 17 de maio de 2011

Para antes do café

foto: Mariana de Lima


Os rapazes estão soltos pela rua
As meninas dançam no asfalto ao luar
Borboletas fazem cócegas na cintura
Minha vida a dois passos do seu calcanhar
Displicentemente atiro pedras sobre o muro
Pego carona, sem ninguém pra me acompanhar
Invento moda, faço festa, fumo bagulho
[e desligo a TV
na hora da novela para ouvir você cantar


“Rasga o peito e deixa sangrar
não saber sambar direito e não ter olhos pra te incomodar...
_ 'Será que algum lugar existe um bar 
que nunca fecha?
Com bêbados maravilhosos nos saudando,
enquanto o sol
nos risca em 
flechas...'”

quarta-feira, 20 de abril de 2011

reza




reza lenta escrita à faca que sua pele inflama


#

domingo, 17 de abril de 2011

Passeio pelo bairro do Avarandado


Sábado
sete da noite
homem arruma uma mala
mulher entra no quarto


Ontem a polícia esteve aqui.
Mesmo?
Odete que os atendeu.
...
E o que eles queriam?
Falar com você.
Comigo?
Com você.
Hum...
...
...
O que está fazendo?
Bem, eles devem me procurar novamente.
Mas o que aconteceu? Porque?
...
Hum ... acho que matei alguém.
...
Como assim?
Não sei, não me lembro...mas acho que matei sim.
Você matou... alguém?
...
...
...
Você fala sério sobre isso.
Sobre o que?
Sobre matar alguém?
Falo.
Mas o que aconteceu, como não se lembra?
...
Não me lembro.
E como sabe que matou?
Não sei, apenas sinto.
Pára com isso, está me assustando...
Eu sei.
...
Pra onde você vai?
Não sei.
...
Mas e se a polícia voltar?
Diga a verdade.
Que você matou alguém?
Não, que não sabe pra onde fui...
Mas e suas coisas...?
Guarde-as. Não tenho nada mesmo.
...
Espera, pára. Você esta bem? O que aconteceu ontem? Você está estranho e me assustando.
Eu sei.
Pare de dizer isso...abra a boca e fale comigo.
...
...
...
Adeus.
Não, volte aqui. Não vou deixar você sair assim...
...
...
Não me impeça por favor.
Eu quero que fale comigo... você não está bem, isso não pode ser...o que aconteceu, eu quero saber.
Ontem eu matei alguém...
...
Como assim?
Dei um tiro, acho.
Mas você nem tem arma.
Tenho.
Ahhhhhhh
....
Adeus.
Não, espera. Onde aconteceu, alguém te assaltou, porque andava armado?
Não, não fui assaltado...não sei por que estava armado.
Mas isso não faz o menor sentido, você não diz nada com nada, como assim atirou em alguém? Aonde você estava? Fala.
Não me lembro muito bem, mas...
...
...
...
foi bem no peito...
O que ?
O tiro.
...
...
... isso mesmo, foi bem no peito.
Mas porque andava armado, onde comprou essa arma?
Comprei perto do antigo mercado, de um cara, foi barata.
Para que?
Acho que pra matar alguém.
Ahhhhhhhhhhhh

Não chore, não adianta mais nada. Apesar de que chorar faz bem, quando se tem motivo e vontade.
O que está acontecendo, você está louco?
Não, não, eu apenas matei alguém e isso é contra a lei...por isso a polícia está atrás de mim.
O que você está falando? Como assim “matei um cara”?
Como sabe que era um cara, se não lhe disse?
Eu não sei seu desgraçado, louco.
Mas era...
...
E daí? Não me importo.
Então não chore amor.
Isso tudo é mentira pra você ir embora. O que é, não tem coragem de assumir que não é mais feliz comigo, e inventa essa porra de história ?
Não, é tudo verdade, mas ainda não me lembro muito bem...
Seu desgraçado, maluco... o que está acontecendo?
A polícia está atrás de mim porque matei alguém e você diz que não te amo mais...quem é mais egoísta de nós dois?
Quem você matou?
Não sei...
Ahhhhhhhhh...você está drogado, ou o que? Some por um dia e volta louco, o que aconteceu, como assim?
Também não sei ao certo...
...
...
...
...
Você vai para o sítio?
Não, lá é o óbvio.
Pra onde vai então?
Não sei.
Mas é pior fugir da polícia, e se te pegam?
Calma, o pior já passou.
...
Você está doente amor. Isso não é real. O que aconteceu com você?
Meu bem, acho que já estou morto...
Como assim?
...
...
...
...
...
...
Olha
...
...
Ontem, às 3, quase 4 horas da tarde, saí do escritório, peguei um ônibus pro Avarandado... deixei meu carro no estacionamento, inclusive ainda deve estar lá.
E...?
Lá é um bairro de classe média, você conhece, já fomos por aquelas bandas...não sei muito ao certo porque quis ir pra lá...talvez pegasse o primeiro ônibus que aparecesse... Não, não, escolhi de alguma maneira o Avarandado.
Sim, sim. Continue meu bem, fale.
Lá tem uma avenida arborizada cheia de cestas de lixo e pessoas passeando de bicicleta na rua...
...
...
...
Diga.
Querida, eu simplesmente desci do ônibus, sentei numa cadeira em frente a uma padaria e...
...
...
...
...
atirei num homem que vinha descendo a rua. Mas não foi ao acaso. Não, eu o escolhi. Antes havia apenas crianças andando de bicicleta e mulheres comprando pães, uns velhos também apareceram...e um cara magro e feio também surgiu. Nesse eu quis atirar. Mas esperei alguém melhor, realmente melhor, melhor que eu.
...
Você não pode estar dizendo a verdade. Porque fez isso?
...
Não sei amor...eu precisava matar alguém.
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
Não querida, não chore. Você vai ficar bem. Nossas rendas lhe darão uma vida regrada, mas sem dificuldades.
Você fala como se nunca mais fosse voltar. Por que você fez isso? Você ficou louco?
Sim, acho que sim, meu bem.
...
...
...
Adeus

terça-feira, 22 de março de 2011

Matar ou Morrer!!!

"Deseim" de Luiza Guedes


Começa assim...

O risco profundo da tinta
na pele
O som silencioso das palavras
nos olhos
A cócega estranha da voz
na língua
O sorriso singelo; dela
na boca
O toque sutil dos dedos
na nuca
O suor envenenado escorrendo do colo
aos seios

o abraço eterno dos amantes despencando em gozo sobre e adentro o precipício
suas mortes anunciadas
congelados num instante divino
seu sexo abrindo novas dimensões
trazendo Atlântida submersa à superfície
existindo eternamente num mero segundo etéreo

e à noite rondando suas casas
soturno; o desejo

e d’agora em diante é matar ou morrer
cuidado!!! perigo!!!
à espreita sorrateiro no canto atrás da porta esperando
a hora certa
de pular no seu pescoço

não abra sua janela
não cubra o rosto ao dormir
revólver engatilhado sob o travesseiro

viver na corda bamba, na ponta da agulha,no fio da navalha
sangue coagulado nos lábios, surra da própria vida

então
põe gelo, merthiolate

e beije a boca
de quem você queira

pois antes que morra de desejo;
mate-o

#

sexta-feira, 18 de março de 2011

Carnaval de Março


eu
uma
hora quero
o
seu
cheiro
no
meu
cabelo
e
não
vou
esperar isso
ou
o
tempo pode
me deixar
louco
e
pouco
a
pouco
vir
a
desaparecer
junto
à minha voz
cantando seu desértico nome
em suave e breve tom
rouco
minha imensa vontade
de
você
porque amores acabam
marés sobem
sóis se põem
e
a vida é breve
ou
quem sabe minha
pressa
possa sugerir
que
eu
reze uma
prece
pra amansar minha calma
em lugar de lhe avançar a
nuca
subitamente
como acho que deveria fazer
e assim evitar
nunca
ter escrito
isso

#

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

um dia de náufrago




Meus ridículos pontiagudos cravados no ombro como bandeira branca, na minha vaga idéia de naufrágio.


#

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Quis Kiss Me - canção/poema em construção


Quando um dia pela manhã
Meu carro estacionado no portão
Meu cachorro me sorriu latindo

E de todas, quem eu lembrava era você

Comprei um postal do fim do mundo
E pintei dois quadros dos seus olhos

Cabelos longos; quis contar todas nuances do seu rosto

Quis contar as conchas do mar
Quis dizer meus segredos pra você

Vai...

#

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Papo com Blog Molho Livre (GO)

Nesse link
http://molholivre.blogspot.com/2011/02/entrevistando-robisson-sete.html


entrevista onde falo sobre sobre literatura, música e cortes de cabelo dos anos 60.


#

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Poema de Mae West a beira da morte


"as alturas me dão náuseas
facas deixam marcas
armas fazem barulho
venenos cheiram mal
águas me atormentam
cordas arrebentam

é
prefiro viver!!!"

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

céu e inferno


"meu inferno
é o céu
da sua boca
"

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Rio de Janeiro



Uma língua lasciva percorre as ruas do Rio de Janeiro
e varre a cidade em sopro libidinoso
um vento marítimo toca e cora as maçãs do rosto das moças
e os homens as devoram; suas carnes, em brutos pecados cotidianos

Praia do Flamengo
Rua Machado de Assis
Morro da Mangueira
Rodoviária Novo Rio
Lapa

Motoristas de ônibus fumam cigarros
Artistas da Globo me dão informações
“Chuva forte é a que vem do Cristo”
Um Hotel com o nome dela
Uma rua chamada desejo

Na praia, tecer desvarios ao nascer do sol
e bater palmas ao seu poente
pois sabemos que quando a noite inicia sua dança
as feras se soltam e permanecem a espreita
e desde os pontos de ônibus aos restaurantes da moda
vai-se logo sentindo na fronte o hálito da selvageria e violência oculta
evocando suor sexo e morte
e com um sorriso irônico e despretensioso
a dor, vai afinando seu violão
a tristeza, vai esticando o couro do pandeiro
e a tragédia puxando sua cadeira na roda de samba
e assim todo dia permanece sendo somente mais um dia
na cidade do Rio de Janeiro

Já nós, em nosso caminho lento
de flaneurs, braço dado a João do Rio
fazemos de todos os dias
nosso réveillon
e eu pulo então, não somente sete
mas milhares de vezes
com meus dedos
ondas sobre seu corpo
desejando pra nós
o que sabemos ser nosso

pois
o Rio de Janeiro nos faz acreditar que a vida pode ser boa
e sobretudo, que toda poesia não vale nada

*este poema contêm citação do escritor Rafa Carvalho

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

o político e o poeta


a diferença entre o político e o poeta é
que o
político
se interessa por algumas pessoas, e
o poeta
se interessa por todas elas

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Vênus in Chamas


Vênus saiu das águas numa manhã de Sol muito forte em Copacabana. De repente, algo ocorreu na praia, algo peculiar. As pessoas, homens e mulheres começaram a observar aquela moça. Tão bonita em sua beleza irretocável, era algo simplesmente diferente, extasiante. Ela era muito mais bonita do que qualquer banhista, modelo, atriz ou vizinha de condomínio. Um corpo perfeito, um cabelo que começou a secar ao sol e que formava um volume que realçava seus olhos e rosto. Ela era o desejo em pessoa. Ao ser vista, pensamentos ardentes se materializavam no ar. O seu jeito era febril. Ela era etérea e significava simplesmente, tudo. Era impossível não olhá-la ao caminhar atravessando a areia quente.
Ajoelhou e disse a um rapaz - atônito, ele tremia.

Posso pegar seus chinelos.
São da minha mulher... mas pode sim
E a canga?
Claro, leva.

Continuou seu desfile, num gingado sublime.
Passou na barraca e pegou uma água de coco. Simplesmente apenas tocou o balcão e sorriu aos freqüentadores.
Ao chegar ao calçadão, o trânsito foi seu mar na cidade.
Distraída, passeou seus chinelos e dedos delicados pela vista dos retrovisores e vidros fumês, e os motoristas – ah! os motoristas !!! – eles começaram parar, descer dos carros e filma-la.
A claridade da manhã incidia sobre o caos fazendo tudo ficar leve pueril e simples. As mazelas os defeitos as raivas os pecados os segredos e as desgraças, e também os medos, tudo se dissipava ali, na instância daquela mulher.

Aos poucos, uns passos rápidos às suas costas surgem.

Ei ei minha mulher quer os chinelos dela de volta, e a canga
Os chinelos...?
É sim, sim

Ela o olha, ele não resiste
Ele a beija eles se beijam
Que isso você ta beijando essa mulher, que porra é essa

Eles se separam
Que putaria é essa porra
Nada ... nada... você é linda demais, meu Deus


Ele se ajoelha e pega sua mão
ela sorri
Ele treme sua mulher o bate
ele sorri

Que que ta acontecendo aqui (um mortal pergunta)
Essa mulher aí ta tirando a roupa no calçadão, ta doida ficando pelada (uma outra mortal diz)
Essa mulher ta mexendo com o meu marido ( a mulher dele diz)

Os olhos esbugalhados da multidão e o sorriso de Vênus se degladiam.
Eles venceram ela.
Todos querem se aproximar, ver de perto, sentir o cheiro, poder observar detalhes, nuances, pintas, formas. Há muitas vozes no ar (mortais), um turbilhão de pessoas toma o espaço em volta dela, e Vênus é tocada, beijada, acarinhada, arranhada, esmurrada, quebrada e feita em pedaços, em poucos minutos.

Alguns saíram com nacos do seu corpo envoltos em suas camisas, correndo pela avenida e sendo perseguidos por outros menos afortunados, uns levaram suas partes ao mar e nadaram até o meio do oceano atlântico pra morrerem loucos apenas pra ficar na exata solidão com seu pedaço ideal dela; fosse uma mão apodrecendo do sal quente do mar, ou uma parte do seu lábio inferior e queixo, cova e pele morta.

Isso foi numa manhã em Copacabana...
O fato não repercutiu.
Foi hedonismo supremo.
Todos os envolvidos negam e ficou o pensamento pra quem não conseguiu sua parte da deusa; mesmo se indignando com os estupros e casos de pedofilia nos telejornais, a vaga idéia “- mas dela eu devia ter arrancado um pedaço”

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