sábado, 11 de junho de 2016

DEPENDURADO DE PONTA CABEÇA SOBRE A PONTE DO PAU FURADO






Há um pedaço de pão velho em meu bolso 
que evito comer porque não tenho ainda fome suficiente
Este pão me foi dado por um velho mendigo na Praça 13 de Maio, 
ele o guardava numa sacola branca do Carrefour
Há um último cigarro amassado em meu maço 
que evito fumar porque não tenho ainda vontade suficiente
Este cigarro me foi dado por um amigo bêbado na porta do bar da 34, 
ele o levava escondido atrás da orelha esquerda
Há uma cama, com lençóis sujos me esperando do outro lado da cidade, 
em que evito deitar porque ainda não tenho sono suficiente
Esta cama me foi dada por uma senhora no bairro Tubalina, 
ela a jogaria no terreno baldio em frente à sua casa
Há um cão vira-lata em meu encalço 
que evito olhar porque não quero dividir meu pão que para nós dois ainda não é suficiente
Este cão fareja o odor da minha vergonha, das calúnias e das mentiras que carrego comigo, 
alojadas fundo, entre os ossos de minha caixa torácica
Há um cadáver com formigas caminhando sobre sua amarelada pele, podre e macilenta, 
o qual evito lembrar-me porque não tenho coragem suficiente
Este cadáver sou eu, amarrado de ponta cabeça, dependurado na ponte do Pau Furado, 
sobre os trilhos de ferro, rezando para que acreditem em minha história
Há um bilhete de suicídio em meu bolso, que não foi escrito por mim