sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Num Covil dos Ratos



minha poesia não canta nada

- como haveria de cantar? –

berra todo nosso sufoco

como um doido na camisa de força

vem do útero do ânus estuprado

do peito doente

da cirrose do fígado


minha poesia é o pânico

a quarta dimensão terrível

da vida consumada no porto da barra pesada

das penitenciárias dos hospícios

do pervintin da maconha e da cachaça

do povo na rua

- do povo da minha laia –

minha poesia é o hino

dos libertinos

que conspiram na noite dos generais ...*

nesse labirinto não vejo saída

"seus poemas não lhe darão fama nem luxúria, quem sabe talvez uma cela escura na capital do país ...”

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* Poema de Adauto página 251 do livro “26 poetas hoje”, música Maracatu dos Ratos da Juanna Barbêra

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

CANNIBAIS SATIVA



Já comi muita gente, mas maconha, hoje, não fumo com tanta freqüência
Comer gente é bom mas dá muito trabalho
Um dos maiores prazeres é destrinchar a carne dos ossinhos menores e fazer pequenos escapulários das pálpebras costuradas
Sentir a tessitura da pele ao ser arrancada e dependurar no varal sob o sol, junto com a sunga e a calça jeans puída



Gente hoje nem é mais um prato da moda, nos restaurantes preferem servir hambúrgueres de gergelim e sorvetes de passas ao rum
Mas ainda tenho meu livro de receitas guardado na estante
“Mestre Cuca Oswald: Como devorar pessoas abaixo do Equador”
A primeira receita envolvia Sardinha, macaxeira e tapioca


Nunca vou me esquecer do gosto doce da menina da 8ª série que, inocente, aceitou meu convite pra fazer o trabalho de álgebra em minha casa, numa sexta à tarde, sendo o mesmo trabalho pra duas semanas à frente... e em grupo


Suas sardas deram um colorido especial ao chá que preparei aos familiares durantes os cafés daquela semana


Ela me disse sobre as particularidades dos signos, de como a lua influi nas pessoas e quais os melhores dias do mês pra se cortar o cabelo...
Eu lhe contei sobre meu tio que sempre jogava no bicho, e lhe expliquei das combinações e de como funcionava as quadras, quinas e os palpites...
Ela, sorridente e feliz, me disse sobre o que havia sonhado na noite anterior

Daí não resisti e lhe dei a primeira mordida...

Abaixo a Ditadura




Abaixo a Ditadura


Logo à frente, governos ditos democráticos

Ao lado, uma ou outra monarquia

Acima, guerras na África no Azerbaidjão na Colômbia
em Moçambique na Ilha do Governador


E embaixo
NÓS

Precisamos, enfim, desatar NÓS

Amar é ...

achar lindo a marquinha marron de cocô, na calcinha da mulher amada.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Relato sobre o sono morno dos assassinos


Agraciado com coroas de espinhos e restos mortais das mãos do Rei, ao retornar de minhas peregrinações por terras infindáveis, me vi solitário em meio à multidão e a cidade.


Ao relembrar das casas incineradas e do choro das mulheres e mães por seus filhos mortos, me senti somente desgraçado. Sai do palácio após a cerimônia e mesmo com todas as congratulações pelas mortes e mutilações, os plebeus não reconheciam seu maior assassino e herói.


Caminhei por entre as ruas em festa, sentindo o corpo exausto e cansado, pensando no sono morno dos assassinos que me aguardaria durantes quantas noites daqui em diante, dos calafrios e dos pesadelos, dos delírios e das lembranças, e desejava que naquele momento ninguém dirigisse a palavra a mim.


Bebi vinho e me ajeitei num canto, quieto, da praça central. Imaginei se cada uma daquelas pessoas que festejavam ali pudesse ver o campo de batalha atulhado de corpos, o cheiro de carne queimada e sangue, o grito animalesco dos convalescentes pedindo ajuda.


Mas essa imagem seria pueril, e de nada valeria na minha intenção de demovê-los daquela alegria insana, pois alguns apreciariam, inocentes, a idéia gloriosa da carnificina. E eu não conseguiria fazê-los sentir o que sinto, o mais insano e desesperador dos sentimentos, o do guerreiro que se pergunta, após a vitória, se vale à pena matar, olhando a seus pés os amigos mortos.


De uma forma ou de outra se morre d’alguma maneira numa guerra...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Turista francesa fotografada seminua com namorado árabe na baixada fluminense *

"Ligo pro motorista ? Não, melhor um táxi. Sim, um táxi.”

_ Vamos de táxi Efrain ?.

_ Claro Isabelle.

_ Táxi ... Táxi ...

“Um táxi, sujo, dum motorista que tem uma pinta, ou melhor um verruga na cara, e a sua cara também é torta. Ele é bem feio. Com seu chapeuzinho enfiado na cabeça. Merda, que tenho eu a ver com o maldito do taxista. Na pior das hipóteses ele vive de aluguel numa casinha dos fundos com a mulher e os três filhos, e eu sou livre e desimpedida. Rica. Ao menos, por enquanto. Sou é esnobe e drogada. Coitado do taxista, nem o conheço e falando assim do miserável. Queria estar nua. Pelada. Parece que bate um vento bom lá de fora."

_ Pare o táxi.

_ Mas aqui na ponte senhora?

_ Sim.

_ Tudo bem.

“Ah , que vento delicioso."

_ Moça o que está fazendo? Você está louca.

Nos carros que passam, os motoristas buzinam em regozijo.

Efrain, condescendente, acende um cigarro Gitanes egípcio e oferece outro ao taxista.

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* verso da música dos Titãs, “Disneylândia” do disco Titanomaquia de 1993.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Poesia para fundo de gaveta

Este poema é para ir para o fundo da gaveta
É para nunca ser lido e se lido esquecido
É para nada significar ao leitor mais atento
É para não valer um centavo e não pagar as contas do poeta
                                                                                    em questão
Este poema é como qualquer outro, para ser incômodo,
                                                      ser reflexo, ser espelho
                                                                            e sumir
                                   ploc
                                   com bolha de sabão …
Este poema não diz respeito a nada, a não ser a ele mesmo
Como vê, não há belas palavras, imagens ou aliterações
Este poema, como qualquer outro
é para ser esquecido
como moedinha de centavos,
como tampa de caneta bic
na gaveta da cômoda
sob a televisão ligada
nos programas de auditório nas casas das famílias do século XXI
Afinal
para que poesia ?
_ Amor, venha ver aquele cantor que você gosta na TV …

A Cidade Velha



I
Olhou pra trás e quase tropeçou, não andava, nem corria, caminhava rápido na calçada, desviando das pessoas.
Dia movimentado. Era segunda, 10 horas da manhã. A Cidade Velha apinhada de gente comprando roupas baratas na galeria 9 de Julho. Era dia de liquidação em todas as lojas. A calçada em frente às velhas galerias se transformava num formigueiro humano, pessoas entrando e saindo das lojas sem parar, conversando, gritando, pechinchando.
Não sei porque a galeria se chamava 9 de Julho, pois pelo que eu sei não é nenhum feriado nacional, mas na folhinha todos os dias são de alguma coisa ou alguém, como o dia da aeromoça ou do ortodontista ou sei lá do que.
As ruas do centro antigo eram estreitas e algumas ainda eram de pedras taquinho, não haviam sido asfaltadas. Mesmo sob o sol, as ruas não se iluminavam por completo. Essa região ficava de tal maneira localizada sob um morro que quando ainda eram 4 horas da tarde, o sol já não conseguia atingir a fachada dos sobrados e casas, e toda essa penumbra dava a impressão de que ali a noite chegava mais cedo.
Almas penadas precisam de escuridão pra se divertir. Os instintos humanos vis e sorrateiros se afloravam descaradamente. Havia toda ordem de criaturas perdidas no centro velho, mães solteiras que ganhavam a vida como domésticas, e que se arrumavam para sair aos sábados à noite, velhos decadentes e doentes, abandonados pelas famílias, que permaneciam nos pardieiros baratos por não terem pra onde ir, mas se sentiam quase entidades naquelas vielas, respeitados por marginais e pela lei. Desempregados, batedores de carteira, ladrões, drogados, putas e traficantes. Tudo ali era rasteiro. Não havia ali uma grande prostituta daquelas que faz do seu prazer e sua luxúria sua profissão, daquelas que deslumbram os homens e os hipnotizam. Não, ali as prostitutas eram mesquinhas, amarguradas, descontentes e violentas. Dentre os assaltantes não havia um que não tivesse puxado cana. Uns amigos meus diriam, "ladrão burro". Viviam de pequenos pulos, não se arriscava em nada tão grande que pudesse levá-los novamente pra cadeia, somente pequenos furtos para manter a sobrevivência, mas que também não lhes proporcionavam saída daquele buraco. Conheço várias outras áreas de meretrício e do submundo, tanto aqui como em outras cidades, e não é em todos os lugares que floresce uma fauna tão ruim, talvez sejam as pessoas ou talvez, o que me convence mais, seja o lugar.
Brigas, polícia, bêbados, putas, canivetes, carteado. Você pode ser um fracassado ou um idiota, um é muito próximo do outro. Idiotas e fracassados.
Era assim a cidade antiga. Mas era assim durante a noite. Durante o dia era o formigueiro infestado de gente querendo comprar a blusinha mais barata, ou a calça de tergal que nunca achou nos magazines das butiques.
II
Virando uma das esquinas de centro velho, ele seguia a passos trôpegos. Ninguém prestava muita atenção nele. E se realmente prestassem veriam que ele estava alterado, mas muita gente andava alterada por aquelas ruas, mesmo de dia. Além do que, ninguém presta muita atenção em ninguém mesmo, talvez hoje, talvez desde sempre.
Suava.
Ao andar com a mochila dependurada num dos ombros, coçava e arranhava o pescoço, que ardia devido ao contato com a gola da camisa vagabunda. Reflexo do calor e do azar de tê-la posto num dia tão conturbado.
Nervosismo.
Pensou que não daria tempo, olhou no relógio, 10:47. Discutir com o tempo ? Que tolice. O certo é vencê-lo. E correr. Pensou em pegar um moto táxi, mas gastar o pouco dinheiro que tem pra andar apenas algumas quadras. Não. O lance era correr.
Chegou à porta do prédio. 11:17. Estava em tempo. Em cima da porta, uma placa, "Alugam-se quartos". A sua direita, um pequeno grupo de homens conversava, sem notar toda a sua ansiedade. Ele não distingue os diálogos, mas ouve "gol", "a final tá no papo", "fulano está contundido". Invejou aqueles homens que pareciam tão contentes e distraídos jogando conversa fora sobre futebol, e sentiu um pouco de pena de si mesmo.
Ele precisava de mais.
Ao lado uma pequena loja de conserto de chaves. A sua frente a escada que dava para os dois andares do sobrado. Respirou e entrou. Agora não tinha volta. Alias, já não havia volta há muito tempo.
Segundo andar. Quarto 218. O número, o corredor as paredes descascadas, tudo parecia muito inofensivo. Bateu duas vezes.
_ Quem é ?
_ Sou eu. Fred.
A porta abriu. Bem a sua frente um cara lhe apontando uma arma, um pouco à direita outros dois de automáticas na mão.
_ Entra. - disse uma voz vinda do lado esquerdo do apartamento.
Entrou calado e nervoso.
_ E aí. Tudo bem?
_ Tudo.
_ Foi tranqüilo ?
_ Foi.
_ Parece nervoso rapaz. Já não é tua primeira vez. Tem que ficar calmo. Isso é fundamental.
_Eu sei.
_ Põe a mala em cima da mesa.
_ É uma mochila.
_ Então põe a porra da mochila em cima da mesa.
Pôs.
_Vamos ver.
Lucas, o traficante, abriu a mochila e retirou dois embrulhos retangulares. Pegou uma faca e rasgou a fita adesiva que lacrava um deles. Experimentou dando uma cheirada e passando nos dentes e na gengiva. Se arrepiou e uivou.
_ Dá a grana pro boy.
Um dos caras com a automática bate no ombro de Fred com um envelope cheio de dinheiro. R$ 1.000,00 reais. Ele pega, abre o envelope e imagina que os mil estão ali, sem mesmo averiguar.
_ Agora rapa daqui. Fez tua parte. Bico calado e fica mais frio da próxima vez. Não gosto desse teu desespero.
Virou as costas sem agradecer nem se despedir e saiu pela porta. Um dos homens com a automática o observou se distanciar do apartamento. Quando dobrou a esquina do corredor começou a descer as escadas correndo. Naquele momento era questão de minutos pra que descobrissem que o outro pacote não tinha cocaína, e sim polvilho misturado. Quando descobrirem, será decretada sua morte e cada marginal da cidade antiga, fará o possível pra entregá-lo em troca de qualquer recompensa que Lucas puder lhe oferecer. E Lucas pode tudo.
III
Lucas morra no bairro do Avarandado, bairro de classe média do outro lado do Rio. Aquele hotel é seu QG na cidade velha. Não há nome no Hotel, as pessoas o chamam apenas de Hotel. Lá não se vende cocaína, nem moram prostitutas, nem se alugam quartos. Lucas quase sempre utiliza o mesmo quarto 218. Assim é, porque ele quer, ele é Lucas, e ninguém diz o contrário. Lucas está vivo porque tirou 7 anos de cana no presídio de São Vicente. A Penitenciária de segurança máxima o conservou vivo, fora de rebeliões, dos ataques dos inimigos e da própria polícia. Foi preso com 23, saiu com 30 e hoje tem 37. Decidiu que não volta pra cadeia, nunca mais. Melhor morrer e levar uns PMs junto. De uns anos pra cá, vive com a certeza de que é um homem morto, que espera apenas a bala certa. Todos os dias quando acorda beija a medalhinha de São Cristóvão. É vascaíno.
Ele matou dois rapazes semana passada, gosta de matar com simplicidade, deu um tiro na cara de um deles e falou pro outro olhar. Depois ordenou que os capangas fuzilassem o restante. Os dois corpos foram postos dentro de pneus de caminhão e ateados fogo.
Os moradores da cidade velha já sabem do que se trata quando vêem a fumaça preta surgindo por detrás do morro. X-9 morto.
IV
Fred correu pra o ponto de ônibus, e entrou no primeiro circular que parou.
Seu celular toca.
Alô
Alô ?
Fred?
Eu porra
Tudo certo?
Tudo
Te espero então
Tá.
Desceu do ônibus no bairro de Trindade, entrou no primeiro bar que viu, pediu uma coca-cola e foi ao banheiro. Recostado na parede suja, esticou duas carreiras em cima da carteira e cheirou duma só vez, um tiro pra cada narina. Bebeu a coca rapidamente, pagou e procurou na rua um orelhão. Ligou prum 0800 de mototaxi. Deu o endereço de onde estava.
_ Dez minutos no máximo, já tá chegando moço.
V
Do outro lado da cidade, Lúcia treme ao misturar o açúcar no café.
_ Mas porque você ainda não havia me dito isso.
_ Não havia me lembrado minha filha. Mas é isso. Papai volta no fim de semana. Sábado. Você não dormiu aqui esse fim de semana né. A mãe da Flávia é atenciosa, mas não gosto que você durma direto na casa dela. Incomoda a família.
_ Nada, pai. Ela não se importa não. Que idéia.
_ Tudo bem. Mas nessa semana não durma lá, durma aqui, e se quiser pode chamar a Flávia pra dormir aqui com você. A arrumadeira vem na quarta como sempre. Ligue pra ela pra confirmar depois.
_ Preciso de dinheiro, pai.
_Deixei na cômoda da sala pra você.
_Beijo minha filha, fica com Deus.
_ Tchau pai. Boa viagem.
Lúcia escuta a porta se fechando e logo em seguida o som do elevador descendo, então se levanta da mesa assoprando o café quente nas mãos. Pega o telefone e disca.
Alô
Alô ?
Fred?
Eu porra
Tudo certo?
Tudo
Te espero então
Tá.
Desliga o telefone. Abre a gaveta da cômoda e conta o dinheiro. Dá duas voltas na sala e passa a mão na buceta sob a camisola transparente. Sorri.