sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2011 de Iemanjá


O ano finda e algo se inicia
cíclico caustico expurgando dor e febre
e esbravejando sob a noite de Iemanjá

"renascer ou coincidir?
perpetuar ou migrar?
retornar ou insistir?”

Ano feminino dentre tantas coisas de mulher que existirão nesses
nossos próximos dias

E também dos que nasceram aos sábados
dos que gostam de mar
e tanto quanto
dos que andam ao lado dos Santos de camisa aberta

um ano pra não se esquecer

e ser feita
sua lenta maquiagem
[doce delicada sutil e decidida
no rosto nu dos dias que virão
e depois de pronta
beijar sua boca

senhora, dona, moça, dama, santa, puta, louca, deusa
um ano das mulheres e seus homens

digo isso de improviso e desacerto

não sei
nunca soube nada mais do que você mesmo sabe
sobre as profundezas do desconhecido

só fiquei pensando, por um tempo
que de tudo que ouvi em 2010
que me pegaram foram
elas

Karine, Julieta, Vanessa, Alessandra, Céu
Karina, Tulipa, Mariana, Marina
Nina, Laura, Luisa, Roberta
Etta, Elza
Ella

Portanto, e definitivamente
nesse 2011 vou ouvir
muito mais
elas

as mulheres...

#

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

de trompetes e bonsais



Ele era preto
Ele gostava de bonsais
Ele era bonito
Ele tocava trompete

Meu amigo morreu

Ele me deu uma cachorra
Nós tomamos chá de cogumelo
Ele sabia o mapa das estrelas e suas constelações
Nós viajamos pra terras de Dona Beija

Meu amigo morreu

Ele tinha os olhinhos apertados
Nós fizemos farra e tocamos fogo numa cama em cima do telhado
Ele me falava sobre falésias e os desertos de Atacama
Nós dividimos conta de bar

Meu amigo morreu

Ele me conquistou
Nós fizemos músicas
Ele se apaixonou
Nós amamos juntos

Meu amigo morreu

Ele pulava de pontes e atravessava rio a nado
Nós não sabíamos mentir
Ele inventava solfejos
Nós jogávamos poker e carteado

Meu amigo morreu

Ele gostava de mim
Nós fizemos músicas
Ele sabia que eu gostava dele
Nós escrevemos poemas

Meu amigo morreu

Ele era preto
Ele gostava de bonsais
Ele era bonito
Ele tocava trompete

Ele não está aqui mais...

Meu amigo morreu


para Ederval

#

teste...um...dois...três...testando


casas velhas
velhas lembranças
lembranças boas
boas idéias
idéias loucas
loucas moças
moças belas

belas pernas
pernas perfeitas
perfeitas noites
noites escuras
escuras fossas
fossas profundas
profundas festas

festas imensas
imensa dádivas
dádivas eternas
eternas visões
visões simples
simples mente
mente aberta

#

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Maçãs


"o seu rosto também tem formas expressivas
sendo assim, eu poderia dizer que, quando você sorri
oferece dois pecados mortais
a nós

suas maçãs"


#

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Mostra Literária da 7Bienal da UNE


Mostra Literária da 7ª Bienal da UNE que rola de 18 a 23 de Janeiro no Rio... Tamo lá.
http://www.bienaldaune.org.br/

O poema é este aqui
"Meus últimos dias em Sodoma..."
http://hotelsete.blogspot.com/2010/01/meus-ultimos-dias-em-sodoma.html

Vamo nessa ... vamo nessa.
Morro do Vidigal e Complexo... Utereré


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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

BG


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BG
Bicho Grilo
Borboletas, Gente!
Beijos Gerais
Barbas Grandes
Bitucas Guimbas
Bocejos Gemidos
Balanço Gingado
Balé Gafieira
Brincadeira Game
BG
ei!

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domingo, 12 de dezembro de 2010

Tome uma com Charles Bukowski...




#
Hoje, minha principal influência sou eu mesmo. A medida que vivemos, caímos e somos destroçados por várias armadilhas. Ninguém escapa delas. Alguns até mesmo convivem com elas. A idéia é se dar conta de que uma armadilha é uma armadilha. Se você está numa e não se dá conta, você está fodido. Acho que me dei conta na maioria das minhas armadilhas e escrevi sobre elas. É claro, nem tudo o que escrevi foi sobre armadilhas. Existem outras coisas. Ainda assim, alguns dizem que a vida é uma armadilha. Escrever pode ser uma armadilha. Alguns escritores tendem a escrever o que agradou seus leitores no passado. Daí, estão fodidos. A criatividade da maioria dos escritores tem vida curta. Ouvem os elogios e acreditam neles. Há apenas um juiz final do que foi escrito, que é o escritor. Quando é influenciado pelos críticos, editores, leitores, está acabado. E, é claro, quando for influenciado por sua fama e sua fortuna, você pode mandá-lo flutuando rio abaixo junto com a merda.
Cada nova linha é um começo e não tem nada a ver com as linhas que a precederam. Todos começamos como novos, a cada vez. E, é claro, isso não tem nada de sagrado. O mundo pode viver muito mais facilmente sem livros do que sem encanamentos. E alguns lugares do mundo quase não têm nenhum dos dois. É claro, preferia viver sem encanamento, mas preciso dele porque estou doente.
Não há nada que impeça um homem de escrever, a não ser que ele impeça a si mesmo. Se um homem quer realmente escrever, ele o fará. A rejeição e o ridículo apenas lhe darão mais força. E quanto mais for reprimido, mais forte ele se torna, como uma massa de água forçando um dique. Não há perdas em escrever; faz seus dedos do pé rirem enquanto você dorme; faz você andar como um tigre; ilumina seus olhos e coloca você frente a frente com a Morte. Você vai morrer como um lutador, será reverenciado no inferno. A sorte da palavra. Vá com ela, mande-a. Seja o Palhaço nas Trevas. É engraçado. Mais uma linha...

Charles Bukowski

sábado, 27 de novembro de 2010

Sobre escrever ...


Escrever sobre guerras e velas derretendo
Sobre jogos de hóquei e corridas de carro
Escrever sobre os padres e as putas
Escrever sobre a ciência e a religião
Sobre cursos de cinema ou origami
Escrever sobre remédios e insônia
Escrever sobre livros e burocracia
Escrever sobre noitadas extremas
Sobre jogos lotéricos e tele-senas
Escrever sobre amizade e desejo
Escrever sobre sorrisos e missas
Sobre desvios de personalidade
Escrever sobre música e poesia
Sobre acordar no meio da noite
Sobre a seda e seus toques sutis
Sobre mulheres e seus homens
Escrever sobre infernos astrais
Sobre sexo, drogas e rocknroll
Sobre dilúvios e rituais pagãos
Sobre pôr do sóis e pescarias
Escrever sobre tempestades
Escrever sobre nascimentos
Sobre a primavera de Praga
Sobre botulismo e infecções
Sobre tragédias e acidentes
Sobre banheiros e navalhas
Sobre os amores perdidos
Sobre colchas de retalhos
Escrever sobre os mortos
Escrever sobre multidões
Sobre os conflitos do Rio
Escrever sobre mentiras
Escrever sobre musicais
Escrever sobre o samba
Sobre a verdade velada
Escrever sobre as sinas
Escrever sobre bebidas
Sobre preces e orações
Escrever sobre o ódio
Escrever sobre o caos
Escrever sobre o ócio
Escrever sobre beijos
Escrever sobre o jazz
Escrever sobre o mar
Escrever sobre a fala
Escrever sobre filhos
Escrever sobre a luz
Escrever sobre o pó
Sobre os sonhos
Sobre os deuses
Sobre solidão
Sobre o amor
Sobre o fogo
Sobre o falo
Sobre você
Sobre nós
Sobre fé

sobre
#tudo
sobre
todos
nós

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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sol de gravata, e estrelas na ponta dos pés



#
Sonhei conosco esses dias

Você com uma camiseta de banda
eu de jaqueta e calça jeans

Sentados, cercados de amigos, numa mesa de bar
falávamos sobre política e sobre o Obama
e bebíamos cerveja
Não nos beijávamos
no sonho apenas nos olhávamos como se algo ainda fosse vir a acontecer
e te convidei pra se levantar e vir comigo

Subimos as escadas pra ver a noite
toda sua profundeza negra
e a vastidão das estrelas
já mortas
que piscavam pra nós seus olhos de meretriz

Enciumadas por você estar ali tão perto delas tão alta a ofuscá-las
em protesto pela injusta competição, pararam de brilhar
e fizeram tolas, da noite seu rápido fim
Recolheram-se as estrelas, ao mirar em você
com tremendo assombro
mais luz que em bilhões delas

Foi-se a noite e veio assustado e surpreso o Sol emanar seu dia

Descemos então pra rua a caminhar e só então nos demos as mãos
E entre os carros e os passantes fiz questão de lhe dizer
num beijo
meu desejo de você

O comércio parou pra ver
pessoas aplaudiram
e os jornais do dia seguinte noticiaram nosso beijo na TV.

“Que bonito!
No Fantástico os amantes se beijando.
Desse crime podemos morrer!”

E o Sol invejoso de mim, ao me ver ao lado seu
esquentou suas veias e fez da manhã um fim de tarde ardente
e foi preciso fugir e nos esconder por um tempo
pra que o Sol acalmasse sua ira e flanasse vagaroso
seu costumeiro hálito de mormaço
e seu silencioso rugido quente

Te dei uns óculos escuros
pra te proteger
do olhar fumegante do meu rival enciumado

Dizia ele em delírio e febre
que desde tempos remotos brilhava sobre esta
Terra
fazendo árvores, plantas, florestas densas
animais e seres humanos
respirarem
só pra fazer você existir

Que relação perigosa, essa nossa
O Sol, possessivo de você, ameaça varrer o mundo em labaredas
As estrelas despeitadas do seu brilho
morrem fugazes e se apagam a milhões de km de distância
ao te verem ao meu lado
Sinto que o mundo corre perigo fatal de se extinguir devido simplesmente aos nossos beijos

Já eu
o único perigo que lhe ofereço
é que você fique no bar e queira beber mais um pouco
quando me ver chegar

Mas que o Sol saiba desde já
que de agora em diante
brilhe sua flama por outras saias
ou que ilumine a nós dois
descontente ou desesperado.

E que as estrelas que se contentem
frente à sua luz
com seu brilho extinto e mirrado
pois se eu não puder mais te beijar
que se foda o Sol
as estrelas
e que o mundo inteiro
então
suma apagado ...

.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

São Jorge terça-feira 23 - parte IV



Recebi um cartão postal hoje com uma foto do Corcovado, dizia assim...

“Caro Robisson
Não poderemos nos encontrar hoje. Estou no Rio de Janeiro. O bicho ta pegando aqui. Nos vemos em breve. O escapulário da sua amiga chega logo, pelo correio.
Se cuida meu brodi.

Grande abraço
São Jorge”


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domingo, 7 de novembro de 2010

um postal do fim do mundo




Um dia
quando sobrar nesse mundo só o som das coisas que não existem mais
e as nossas pegadas rasas na areia
e o som das nossas vozes afligindo os últimos répteis resistentes
sob o sol de 50 graus
e
meus ossos esturricando no chão árido d'onde antes foi cerrado ou inverno
me lembrarei de você
e de mim
tomando banho de mangueira no meu quintal

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Jambolada




Dias de outubro
Dias de reencontro
Sangue correndo rápido nas veias sob o sol quente da tarde ou a chuva fina da noite
Dar o ar da graça, se reencontrar consigo e se perder com os outros

A vida podia sempre ser celebração
Ser uma Jambolada ser um Festival
Dançar, ver amigos, reencontrar amores, descobrir amores
Deixar a música suar sua pele

Bela despedida
Belo recomeço
E o fim só termina quando algo se inicia
Cíclico, vai doendo um cadiquim e vai ficando a saudade

Ao mesmo tempo coçam a palma da mão, a dúvida e o desejo
O que será agora
O que vem por aí
Restando entender que se a festa existe dentro de nós
Basta agora saber levá-la de mãos dadas por aí

_ Oi essa é a minha namorada.
_ Olá tudo bom?
_ Tudo.
_ Como é seu nome?
_ Festa.

Porque nessa vida, no final das contas, o troço todo gira em torno do amor.
E a Jambolada sempre foi um lance de amor.
Amor pela música e pelas pessoas.

Daí de agora em diante a gente continua nosso caso, nossa transa... como em todo caso de amor.
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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

OUT

Sobre o mês de outubro OUT é fora é do lado de lá não é aqui outubro diz pra ir pro outro lado ir por ali “abrir novas portas” outubro tá nadando pelado no riachinho pulando a cerca do curral roubando beijo no recreio mentindo idade em show de rock outubro já buliu com prima, já roubou manga, já rodou carro apertou a campainha e saiu correndo outubro não é clean, é sujo e usa calça rasgada outubro e primavera mês das crianças, da curiosidade, do mal feito, da risada, da busca, da brincadeira era mês da jambolada mês do congado nas ruas fazendo festa e desafinando o coro dos contentes outubro é de música e é de amor p’ra preparar o santo pra salmoura de fim de ano p’ra quando suas costas forem castigadas na troca das oferendas então pule fora drop’out abrace seu próprio ombro ou outubro ou nada

Evitar a morte




o encontro
a clarividência
a porta aberta
o insigth

evitar a morte dentro de noites extremas

e à noite
surrupiar a dança
pedir arrêgo a vida e denunciar o acaso
dizer pra sempre que não é mais

e de dia
batucar na mesa do bar aquela canção perdida
e num longo sorriso amigo desvendar a exata charada

negar a morte ao realizar ritual místico e estranho de se irmanar com o desconhecido
despido de roupas e vestido de seus ridículos

eu
pago pra ver


.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)





Texto inspirado na canção do disco “África Brasil” de 1976 de Jorge Ben
Pra baixar o disco vai aqui ô
... http://nobrasil.org/0358-jorge-ben-africa-brasil/


Praia do Leblon
Domingo de Carnaval de 1976


_ Porra Africano, toca essa bola.
Africano com um meio sorriso no rosto, finta um, dois, três antes de chutar no gol, o goleiro se esforça e joga a bola pra escanteio.
_ Vai ser fominha hein negão.

Africano tem 18 anos, preto como petróleo, seus antepassados Bantos vieram em navios negreiros e foram escravos no interior da Bahia. Ele é de falar pouco e quando joga bola arrebenta. Juvenil do Flamengo, espera sua chance no time principal. Ele sabe que vai chegar sua hora. Todos sabem.
O escanteio é batido, um jogador cabeceia, o goleiro espalma, a bola sobra para Africano. Ele podia chutar de primeira, mas traz a pelota pra perto de si, a mata lindamente como se a bola estivesse suavemente colada aos seus pés descalços e calejados da areia quente da praia. Dá um cortezinho pra esquerda, olha rapidamente de soslaio por sobre o amontoado de jogadores à sua frente e bate pro gol. A bola caprichosamente passa por todos. Morre na rede do lado direito do goleiro, que apenas olha.
No caso de Africano a bola não morreu na rede, nasceu.
Ele sai gargalhando a passos largos, com suas pernas esquias de canelas duras moldadas no sobe e desce das escadarias do morro.
3 a 0.
Próximo time.
A pequena torcida que assiste, aplaude o golaço. Ele imagina os mesmos aplausos vindos das arquibancadas do Maracanã, num jogo de final.
Sai do campo em direção ao mar, pra dar um mergulho.

_ Porra negão vai afinar é ? Não vai jogar mais ?
_ Não.
_ Bichinha.
_ Vai se foder Boiadeiro.

Boiadeiro é amigo do Africano desde moleque, e mesmo sendo quatro anos mais velho, era o amigo, mais forte e malandro, que o defendia nas brigas de rua. Trabalha no Jóquei Clube, cuidando dos cavalos, coisa que detesta.
“Só grã-fino, que acha que o mundo parou pra eles. Gente metida.”
Sonha em mudar de vida, juntar dinheiro e ir com a mulher e as duas filhas para o Mato Grosso, estado onde nunca esteve mas que seu pai conta aos quatro ventos ser o lugar mais lindo do mundo. Mexer com coisas de vaqueiro, cuidar de gado e não ficar limpando a bunda de cavalo de madame. Se o Rio é a cidade, o Mato Grosso é o Estado Maravilhoso. Ao menos pra Boiadeiro.

Saindo do mar, em direção ao Quiosque de São Vitor, o papo dos dois descamba na rivalidade Fla x Flu.

_ Porra, o Maracanã chama Mario Filho porque ele era torcedor do Fluminense. O Chico é Flu. Dolores, aquela gostosura minha vizinha é Flu. Poxa, o Flamengo saiu do Flu amigo. Não adianta, vocês tem de pedir “bençá” pra nós.
_ Que nada rapaz, Flu é time de grã-fino igual àqueles que tu tem de babar ovo nas corridas do Jóquei. Mengão é time da massa. Gente pobre igual à gente tem de torcer pro Flamengo. Você acha que eles aceitam qualquer negão lá no Flu. Tem de ser filho de empregada de algum cartola pra jogar lá.
_ Ah para com isso Africano, você não sabe do que está falando. Fluminense é povão, primeiro time do Brasil.
_ Ah isso não, você tá por fora mesmo Bóia. O primeiro time é o Vasquinho porra. Já veio com os portugueses, chegou aqui e tomou de 4 a 0 do time dos índios, que nem sabiam jogar bolar, só pegar coco.

Hahahahahahaha.

Os dois caem na gargalhada que não se agüentam e sentam pra tomar uma cerveja.

Ao longe, em alto mar, fora da arrebentação, na calmaria do oceano, um solitário surfista sentado em sua prancha retira do bolso do short um saquinho plástico muito bem vedado, onde há um isqueiro e um baseado. Acende e observa, em silêncio, toda a cidade do Rio de Janeiro à sua frente, tendo como testemunha apenas a maresia do Atlântico e seu imenso amigo sol.

..........

domingo, 19 de setembro de 2010

Mão e luva - Pedro Luiz e a Parede




vejam e ouçam no iutubi

http://www.youtube.com/watch?v=wIyGjMtvrAU

(Pedro Luís)

dia de chuva
tão triste e tão bom
no espelho um recado de batom de uva

era o fruto feliz
da noite passada
você foi embora
acordei e nada

luva e mão, mão e luva
vamos passear de guarda-chuva
mão e luva, luva e mão
nosso encontro parecia perfeição

vamos voltar o relógio
fotografar os segredos
quero você como um credo
vamos nos dar privilégios

meu sol
pingos na calçada
sou só chuva e lágrimas
vem já
antes que anoiteça
tecer noites e páginas

luva e mão, mão e luva
vamos passear de guarda-chuva
mão e luva, luva e mão
nosso encontro parecia perfeição

.

sábado, 18 de setembro de 2010

Maryllu

Essa é minha amiga


Maryllu


http://maryllu.wordpress.com/



Adoro seu despudor

Se mulher eu fosse,
eu seria como ela

Iríamos disputar os mesmos rapazes.



Leiam-na

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Namoro




Compromisso é gostar nas Quartas
ir às profundezas nas Sextas
apaixonar nos Sábados
e não esquecer de ligar nas Segundas.

Desprendimento é dançar na chuva até sentir frio
e aí sim tirar a roupa.

Desinibição é romper o desconforto com desconhecidos dizendo simples “oi”.
Gosto é lamber até doer a língua. Sexo é quando você é você.

Tesão é comê-la de colherinha.Vontade é não evitar falar.

Saudade é
destampar garrafas vazias
mas plenas do seu cheiro.

Gozar é evitar a morte

... e morrer.

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A Extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakowski no verão da datcha




Vladimir Maiakowski 1920
(trad. Augusto de Campos)





A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava.

Na colina de Púchkino, corcunda, o monte Akula, e ao pé do monte, a aldeia enruga a casa dos telhados.
E atrás da aldeia, um buraco e no buraco, todo dia, o mesmo ato:
o sol descia lento e exato.
E de manhã outra vez
por toda a parte lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia isto começou a irritar-me terrivelmente.

Um dia me enfureço a tal ponto que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
"Desce! Chega de vadiar nessa fornalha!"
E grito ao sol:
"Parasita! Você, aí, a flanar pelos ares, e eu, aqui, cheio de tinta, com a cara nos cartazes!"
E grito ao sol:
"Espere! Ouça, topete de ouro, e se em lugar desse ocaso de paxá você baixar em casa para um chá?"

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!

Para mim sem perder tempo o sol alargando os raios-passos avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas, pelas portas, pelas frestas, a massa solar vem abaixo e invade a minha casa.

Recobrando o fôlego, me diz o sol com voz de baixo:
"Pela primeira vez recolho o fogo, desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá, pegue a compota, poeta!"
Lágrimas na ponta dos olhos - o calor me fazia desvairar - eu lhe mostro o samovar:
"Pois bem, sente-se, astro!"

Quem me mandou berrar ao sol insolências sem conta?
Contrafeito me sento numa ponta do banco e espero a conta com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade fluía sobre o quarto e esquecendo os cuidados começo pouco a pouco a palestrar com o astro.
Falo disso e daquilo, como me cansa a Rosta, etc.
E o sol:
"Está certo, mas não se desgoste, não pinte as coisas tão pretas. E eu? Você pensa que brilhar é fácil? Prove, pra ver! Mas quando se começa é preciso prosseguir e a gente vai e brilha pra valer!"
Conversamos até a noite ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos, os dois.
Logo, com desassombro, estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
"Somos amigos pra sempre, eu de você, você de mim. Vamos poeta, cantar, luzir no lixo cinza do universo. Eu verterei o meu sol e você o seu com seus versos."

O muro das sombras, prisão das trevas, desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz, chamas por toda a parte.

Se o sol se cansa e a noite lenta quer ir pra cama, marmota sonolenta, eu, de repente, inflamo a minha flama e o dia fulge novamente.

Brilhar pra sempre
brilhar como um farol
brilhar com brilho eterno
gente é pra brilhar
que tudo mais vá pro
inferno

este é o meu slogan

e o do sol.

...................

1. Datcha - casa de veraneio.
2. Versta - medida itinerária equivalente a 1,067m.
3. Rosta - A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias - as "janelas" Rosta -, de 1919 a 1922.


....................

poema dos meus prediletos...
que mais dizer.



.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

dos restos de 2009




Dia amanhecendo
escutando John Coltrane
lendo um livro que já li
janela do quarto aberta
vento frio
sem camisa
morto de fome
penso num mistoquente
são seis horas da manhã de dezembro
o ano acabou
entre tantas outras coisas que acabaram nesse doismilenove

sábado, 4 de setembro de 2010

Três anos de Hotel Sete ...




Sábado, 21 de Agosto



Acordei
Lavei o rosto
Passei no espelho o resto da noite que existia sob os olhos e minhas olheiras ...

Do bolso da calça tirei a chave do meu quarto
antes eram ácidos ou outros
Me dei conta que hoje já sei onde durmo
e que quando cheguei aqui me perdia nos andares

Hoje abro as portas e indico os quartos pros novos inquilinos e novatos

Percorri o corredor e desci as escadas
Passei a mão no jornal do dia

Na rua o mesmo trânsito iniciando sua transa, seu vai e vem
E eu, complexo transeunte, relembro minha primeira noite aqui dentro


http://hotelsete.blogspot.com/2007/08/nusea.html


A cabeça dói
Tudo a sua volta gira, se movimenta
Seu próprio estômago soca sua garganta
Golfadas de vômito
Engulho e dormência nas pontas dos dedos dos pés
E esse sol intenso desequilibrando as paredes e o teto

São apenas 7:47


Depois disso foram muitas festas, encontros, brigas, amores e noites bem vividas e mal dormidas

Certas madrugadas, às vezes pra incomodar a justa serenidade do sossego do quarto, caminhava pelos becos e circunvizinhanças as duas, três horas pra alegrar os notívagos e arriscar minha vida, sempre obviamente com a carteira vazia...

Do meu quarto compus meu livro de poemas, escrito hora em caneta tinteiro envenenada, hora em máquina Remington enferrujada, relíquia do meu avô e destruída por amigos eufóricos

Adoro presenteá-lo a desconhecidos e freqüentemente avisto, na esquina, dois mendigos folheando as páginas dos Poemas Ácidos e eles me acenam fervorosamente quando passo e balançam o livro nas mãos dizendo algo sobre algum poema que vêm lendo.
Eles se levantam e rumamos ao bar para tomar um café
Sempre pago... lógico

Ocasionalmente, aconteciam fantásticas jam’s musicais, onde compúnhamos canções e rocks, fumando cigarros e olhando o som da cidade pelas janelas abertas, surgindo assim uma banda que veio a gravar um disco empoeirado que é tocado no saguão central do Hotel numa velha vitrola de 1958, nas noites de sexta pra alegrar os inquilinos mais idosos, que reclusos preferem o conforto das poltronas, seus chás, dominó e gamão

Nesse interím fui conhecendo outros escritores, que sem lar vieram alugar quartos no Hotel e mesmo outros artistas que sublocaram todo o Subsolo do prédio

Com esses fiz mais amizade e por muito tempo morei junto a eles nos porões, confabulando e perpetrando nossa nova confraria, mas pelo que sei se mudaram para apartamentos na Rua Augusta, em São Paulo.

Nossas intenções não eram de forma alguma muito nobres, sobretudo, porque ademais queríamos ser lidos, fato que em si só, contrariava uma premissa do status quo, que é evitar o conflito
Começamos motivados a realizar leituras e festas, organizar encontros, zines e ...

Mas esperem aí, já estou me estendendo e estou atrasado, deixe eu ir trabalhar para descolar uma grana porque hoje é dia 21 ...
e tenho que pagar o aluguel
...

domingo, 25 de julho de 2010

Destino : autor desconhecido




Peguei estrada às 7 da manhã.

Novamente o puro autoconhecimento da estrada. Mas sei também que há junto comigo, enormes amigos sobrevoando meus passos . Sempre.

Não digo sobre a solidão que existe no coração, quando se apaixona por alguém que não se apaixona por você, ou quando acaba um namoro ou "affair".
Nem talvez a solidão dos ônibus coletivos ou metrôs, cercado de pessoas todas imersas em si, evitando encontrões ou disputando bancos e poltronas.
Nem mesmo a solidão geográfica do estranhamento ao se deparar numa outra cidade em nova faculdade ou emprego.

Digo sobre a transcedental e fantástica solidão ao estar só e ao mesmo tempo confiante e de mãos dadas com o acaso, da permissividade consentida para que o destino aja em sua vida recolhendo as oferendas predispostas na trajetória dos dias.

Há de habitar em si o signo da oportunidade e instituir como bandeira, cravada nos ombros, a aritmética imutável do tempo considerando o futuro equação indivizível.

O futuro é sempre 10 dividido por 3.
Infinito.

O passado é 2 mais 2.
Concreto.

A estrada, portanto, destila sobretudo a máxima... "nada será como antes".

Nasci em Janeiro sou de Aquário, mas ultimamente o signo que profeça minha vida é o desconhecido. Distraído, andava em falta com meu velho amigo. No fim, ele sempre esteve comigo, e eu relapso, não intuía que meu DeuS sempre foi ele.
Erroneamente, rezava por terreiros e catedrais, ajoelhado e imbuído sobretudo de saudade. E saudade sempre tem a ver com o passado.

Foi quando ela me disse, roçando os dedos no meu rosto.

_ Pra que isso menino? Veja que vontade e desejo,inversamente, sempre sugerem e apontam para o futuro.

Sorri, me levantei, pus meus colares no peito novamente e continuei a caminhar.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

África




vou me embora pra

África

lá será minha

Pasárgada

torcer com

Gana e Eto'o

e renascer na terra

onde morreu

Rimbaud

domingo, 13 de junho de 2010

13 poemas ácidos ... 1 ano




Não é motivo pra soltar foguete, nem mesmo juntar toda a família na sala, mas hoje faz 1 ano que caía nas “más línguas” e na boca do povo, meus 13 POEMAS ÀCIDOS NO BOLSO DA CALÇA. Poesia bandida, marginália enrustida, provocação e desejo.

Eu já não digo mais sobre esse livro bastardo. Ao encontrá-lo nas vielas escuras e portas de banheiros sujos, aviso aos navegantes “LIVRO DE TARJA PRETA, LEITURA SOB LIVRE ARBíTRIO”.

Que rememorar hoje não seja o caso. Skylab, Testa, Juanna, Goma, Casa da Cultura, Coletivo Subsolo, um monte de amigos e a madrugada abraçando-nos. Escrevê-lo foi prazeroso, esforço tremendo para merecer aquela deliciosa orelha “a la Zoppa”. Hum!!! Fez valer a gorjeta do garçom.

Do meu quarto de HOTEL disponibilizo o livro em arquivo PDF, versão revisada para a verve dos incendiários.
Cuidado com os fósforos.

http://rapidshare.com/files/412204961/13poemas_miolo.pdf

Taí o link

O livro pode ser encontrado no
Goma, Sebo Maravilha, Livraria Pro Seculo, Livraria da Edufu, Banca de Revista do Bloco 3Q UFU, Black Toi Tatoo, Livraria Despertar ...

Nos vemos por aí...

sábado, 12 de junho de 2010

de profundis




De tempos em tempos ele atravessa a fronteira
e ruma para o “sul de qualquer lugar”, deslizando em audácia festiva.
Imigrante, passa por locais onde em sonho esteve.
Pontua, tatuado em seu braço, as intensas noites de lua cheia, as algazarras, as festas e as indeléveis sensações.
Rememora e ultrapassa pensamentos.

Há sempre solidão ao estar junto a multidões.
Há sempre um dia que pode ser outro, novo.

Infinitamente pesaroso do passado, se alivia aos nascer do sol. Cada um deles agora abre um rasgo em seu peito e inunda de luz sua vida.
Na profundidade da noite escura, enlameado sob o manto das estrelas, circulado pelos anjos da guarda dos vagabundos, se absolve e se perdoa.

Bate um vento frio no seu queixo.
Como um jab d’um boxeador costarriquenho, o perdão atinge seu coração.

sábado, 29 de maio de 2010

1 ano de Deserto Sonora




Há 1 ano, a Juanna Barbêra, banda da qual eu fiz parte, lançava seu disco Deserto Sonora. Logo em seguida a banda se desfez e cada um dos Barbêras seguiu seu rumo. Uns montaram outras bandas, outros se tornaram produtores culturais, alguns se tornaram artistas multimídia, outros foram se internar em clínicas de reabilitação ou mesmo hospícios e outros foram simplesmente cuidar da vida, o que, convenhamos, já é muita coisa.
A música fica no ar.

O CD com aquela capa maluca do Peyote tornou-se "souvenir" de sebos e colecionadores.
Na minha última busca no Mercado Livre, valia uma fortuna.

Confere aí pro seu deleite.

www.myspace.com/juannabarbera

Verão em terras indígenas




Um índio de Pindorama sentado em sua pedra ancestral, observa solenemente toda a vasta terra que o cerca.
Tendo somente como testemunha, ardendo, o sol selvagem sobre sua pele se lembra de sua tribo, de suas lanças, de seus cocares, de si próprio e dos seus.
Se lembra, como que num sonho, de tudo que existiu.

Planeja sem mesmo saber como, seu retorno.
O que lhe resta? A não ser tudo aquilo que lhe cerca?
Porque? Não há resposta no silêncio.

No entardecer sepulcral da floresta, se ouve um grito primal de um índio de Pindorama, solitário e amargurado.
Trouxeram a ele, os homens que caminham sobre as águas, entre tantas coisas que trouxeram; como dor, sangue e morte, uma palavra que mesmo em outros dialetos e idiomas não se encontra ou acrescenta significado.
Trouxeram a ele a solidão e sobretudo lhe apresentaram enfaticamente, e em bom português de Portugal a palavra... saudade.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

23 de abril - Dia de São Jorge




Jorge Da Capadócia

“Jorge sentou praça na cavalaria
E eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia
Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem
Para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal
Armas de fogo, meu corpo não alcançará
Facas, lanças se quebrem, sem o meu corpo tocar
Cordas, correntes se arrebentem, sem o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Jorge é de Capadócia, viva Jorge!
Jorge é de Capadócia, salve Jorge!
Perseverança, ganhou do sórdido fingimento
E disso tudo nasceu o amor
Perseverança, ganhou do sórdido fingimento
E disso tudo nasceu o amor
Ogam toca pra Ogum
Ogam toca pra Ogum
Ogam, Ogam toca pra Ogum
Jorge é da Capadócia
Jorge é da Capadócia
Jorge é da Capadócia
Jorge é da Capadócia
Ogam toca pra Ogum
Ogam toca pra Ogum
Jorge sentou praça na cavalaria
E eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia
Ogam toca pra Ogum
Ogam toca pra Ogum
Jorge da Capadócia”

Oração de São Jorge - Jorge Ben

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terça-feira, 23 de março de 2010

São Jorge Terça-feira 23 Parte II




São Jorge me apareceu num sonho na noite da terça feira 23 de Fevereiro há um mês atrás. Estávamos numa casa no alto de uma montanha, uma construção de madeira ladeada por pedras. Ao fundo se observava um despenhadeiro e se ouvia o barulho de uma cachoeira, que não se via...
Abaixo e ao lado direito, um lago de águas imóveis e azuis. Paz nesse lugar era inevitável. O refúgio perfeito para um guerreiro.
A casa por dentro era de um estilo indefinido, rústico e com vários tapetes e poltronas. Havia uma lareira e também, vejam vocês, um laptop, sobre uma escrivaninha de mogno.
Nas paredes enfeites de várias nacionalidades. Casacos de esquimó, um par de lanças, provavelmente africanas, cruzadas sobre a miniatura de uma fragata espanhola. Vasos de cerâmica indígenas, espadas árabes e adagas japonesas. Vários tabuleiros de xadrez, e ao fundo da sala, um enorme tapete dependurado entre duas pequenas tochas, com a imagem de um dragão verde cuspindo fogo. Belíssimo.
Nos cumprimentamos com aperto de mão.

_Como vai? - perguntou ele.
_Muito bem.
_Vejo. Está mudado.
_São os dias.
Sorrimos um pro outro.
_Em julho do ano passado... porque não nos encontramos? - perguntei.
_Você sabe por quê. Você não quis Robisson. Pouca fé não gera iluminação.
Abaixei a cabeça.
_Não se lamente. Agora sigamos em frente, é o que devemos fazer, sempre.
_Obrigado.
Nos sentamos em poltronas de veludo, e me ofereceu uma bebida que disse ser um conhaque feito pelos marroquinos. Ao beber, pensei ter a mesma consistência e sabor dos conhaques de butequim. E não pude deixar de rir por dentro, ao lembrar das circunstâncias de nosso primeiro encontro, girando em torno de bugigangas do Camelôdromo Central.
''Puta globalização mesmo!'' – pensei.
Tomamos nossos goles em silêncio, saboreando a bebida.
_E o carnaval? Você pula carnaval? - perguntei e São Jorge riu.
_Não diria que pulo carnaval, mas participo. Pra você posso dizer que minha escola é o Salgueiro. Vermelho e branco.
_Ah foi lindo o desfile do Salgueiro, mas eu torço pra Estação Primeira de Mangueira. Salve Dona Zica. Salve Cartola.
_A Mangueira já fez lindos carnavais. Já que lembrou o Cartola, porei um dos discos dele pra ouvirmos.
Abriu um armário sobre uma cômoda e retirou duma vez uns dez discos de vinil. Abriu outra porta e pra minha surpresa vejo surgir um aparelho de som Gradiente de metal prateado.
_ “Verde que te quero rosa”? – perguntou.
_O Cartola de 74 talvez. – retruquei.
Pôs um dos discos na vitrola. São Jorge cantou a plenos pulmões este lindo trecho.
“Acontece que o meu coração ficou frio
e o nosso ninho de amor está vazio.
Ah se eu ainda pudesse dizer que te amo...
Ah se eu pudesse, mas não quero, não devo fazê-lo.
Isso não acontece...”

Bati palmas e acendi um cigarro.
_Já se apaixonou Jorge?
_Sim. De formas diferentes e com várias intensidades. Já destruí reinos por amor e já permiti serenamente que mulheres simplesmente fossem embora por saber ser o melhor, pra nós dois.
_Me identifico.
São Jorge deu uma imensa gargalhada e me serviu mais um gole de conhaque.
_Você Robisson, é um “bon vivant” apaixonado, teu coração bate noutro ritmo.
_Somos dói, meu caro amigo. - sorri.
_Um brinde ao nosso encontro. - caímos na gargalhada.
Era fantástico perceber que toda aquela realidade, aquele encontro, aquele lugar, aquela bebida era tudo um sonho, e que ao mesmo tempo era tudo tão real. Eu sabia que estava dormindo, podia sentir com a ponta dos dedos, minha cama. Mas de olhos fechados não me permitia sair daquele sono.
Então me convidou a jogar uma partida de xadrez, num maravilhoso tabuleiro de pedra sabão, segundo ele presente de uma donzela do sul da Índia.
Eu, destreinado desse nobre esporte não fui páreo a inteligência divina do velho Jorge, e em muitos momentos da partida observei um sorriso irônico, querendo brotar no canto da boca do Santo, como que a zombar da minha inabilidade de enxadrista. Mas em um segundo seu semblante se anuviava, e retomava as feições serenas que guarda o rosto de alguém imortal.
Sobre nos pairava a voz de Cartola, outro imortal.
_Sabe, Robisson, meus dias foram e sempre serão de muitos compromissos e tarefas a cumprir.
_Você é um Santo, irmão. Isso é normal.
-Sim, justamente. Pois eu posso tudo, compreende? Meu ir e vir somente a mim pertence amigo. A clarividência que um santo possui é uma dádiva que elimina qualquer possibilidade de erro, de que o destino nos pregue uma peça, que o acaso te surpreenda...
Seu rosto começou a ficar sério e cansado.
_Enfim, que se tenha o sublime gosto da verdadeira vitória, que somente existe, porque existe a derrota, a queda. Não conheço a superação, pois pra mim só há desejo e realização, compreende?
-Claro. Você pode tudo.
Nesse momento ele se virou e pôs o copo na mesa e me olhou nos olhos.
_Não, eu não posso tudo.
_Como assim?
_Há uma coisa que eu não posso. Somente uma e é a que mais me pesa, Eu não posso errar.
Percebi a angústia de São Jorge ao me dizer isso.
_Robisson meu jovem, veja bem, há um momento em que o homem se torna Deus, quando vence uma doença, quando cria uma obra de arte, faz uma descoberta científica ou escapa de um acidente. Em suma, quando faz algo que poderia dar totalmente errado, mas faz o certo. Isso é um milagre. Quando tudo aponta para o erro e entre um em um milhão, o homem faz a opção certa.
-Entendo.
-Um santo é unânime, irrepreensível, correto, prático e sábio. Perfeito compreende?
-Sim, com certeza.
_Por isso lhe digo que meus dias vêm sendo desde séculos, até a eternidade, de modorrenta mesmice. Meu imenso poder me causa cansaço. Não há surpresas nem novidades em meus dias.
Seus olhos estavam brilhantes agora. O disco do Cartola havia terminado. Levantou e caminhou até a vitrola.
_Vamos ouvir outra coisa? Um rock, que sei que você gosta.
_Pode ser.
São Jorge me saca da vitrola um puta disco dos Pixies e põe pra tocar “Monkey Gone to Heaven”... há um trecho na música que diz:

"if man is 5
then the devil is 6
and if the devil is 6
then god is 7...”


Volta pra sua poltrona e sorridente, me serve mais conhaque marroquino. Acendo um cigarro. Ele se ajeita e continua a falar.

_Quero provar alguns dias de “humanidade”, provar do desconhecido. Quero me ajude, você que sabe como muitos... a viver. Quero estar sujeito às improbabilidades do impossível, ao piscar de olhos do destino. Quero dias regidos pelos astros do desconhecido. Quero o livre arbítrio. Você pode fazer isso? Pode me acompanhar por alguns dias em minha peregrinação pela a Terra? Me guiar e me auxiliar?

Puta que pariu! Eu acostumado a pedir a São Jorge sortilégios, agora me via sujeito da inversa condição. Convidado pelo Santo a promover um milagre em sua vida e levá-lo pela Terra a conhecer os prazeres e a insanidade humana.

_Meu caro Jorge... seria loucura lhe negar esse pedido. Estou a sua disposição.
_Sabia que ia gostar da idéia. Prepare sua mochila, lanterna, suprimentos e coragem. Partiremos a qualquer dia, de hoje em diante.

Perguntei-lhe aonde iríamos e ele me disse que a pergunta era irrelevante pois eu já sabia a resposta. Eu já sabia aonde iríamos? Como assim?

_Até logo Robisson.
_Até Jorge.

Acordei suado e não dormi mais, eram 3 horas da madrugada. Sentei no computador e fui escrever isso.
Agora é esperar. Eu estou pronto. Já sinto o cheiro da estrada no ar.
No mês de Março há outra terça-feira 23.

São Jorge – terça-feira 23 Parte III




Sabia que alguma coisa iria acontecer. Muito provavelmente seria hoje. Talvez antes. Mas intimamente eu previa e supunha que o marco crucial de algo que acabaria por mudar a minha vida, a data-chave para o início da cruzada que São Jorge tencionava realizar seria nesta terça-feira 23 de Março.

Nos dias que se seguiram ao nosso último encontro, em Fevereiro, me envolvi com pesquisas de um novo projeto e saborosamente me tornei um recluso, dormindo e acordando bem cedo, abrindo exceções apenas nas noites bem estreladas, quando parto para algum local descampado e ermo, nos arredores da cidade, munido de um novo presente; um detalhado mapa das constelações. E devidamente bem acompanhado, me pego a decifrar o caminho das estrelas no céu... Andrômeda, Aquário e Peixes já as encontro fácil. Voltando pra casa, olhando a escuridão brilhante dos corpos celestes, me pergunto qual destas estrelas já estaria morta e ainda sim vemos seu brilho anos luz de distância. Um amigo diria n’um de seus poemas
“Vistosa por fora,
Morta por dentro”
Ao acordar, pelas manhãs sincronizo a localização da Lua aguardando seu ilustre morador. Minha grande dúvida é o que exatamente São Jorge gostaria de fazer aqui na Terra? Qual, na verdade, era sua intenção. Quais provações, visões pretende buscar. O que gostaria de ver e sentir? E assim, eu me perguntava, o que mostrar a um homem que é imortal, tem centenas de anos de vidas nas costas, pode fazer milagres bem como o que quer?
Por vários dias e em diversos momentos essa pergunta me inquietou. Em casa, ouvindo música, na rua dirigindo e estacionando o carro, depois do almoço vendo os noticiários de esporte, lendo um livro antes de dormir. A toda hora me pegava pensando no que poderíamos fazer. Ainda por cima, ele havia dito que eu já sabia a resposta. Isso era o que mais me intrigava. Como assim?
Certa noite, fumando um cigarro e contemplando o calor da brasa entre meus dedos, num estalo compreendi que seria talvez aonde eu quisesse levá-lo. Seria essa a resposta? A qualquer lugar? Raciocinei melhor e então vi que o ideal seria irmos a algum lugar também simbólico do que seja a passagem de um Santo pela Terra.
Comecei a repassar mentalmente os lugares que havia estado. Montes Claros, Belo Horizonte, Campinas, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Floripa, Curitiba, Salvador, Recife, Teresina, Porto Seguro, Cuiaba, Goiânia, Brasília... Chapada dos Veadeiros.
Opa... Bingo!!!
Chapada dos Veadeiros, Alto Paraíso e... São Jorge.

Meu Deus!!! Nada poderia ser mais perfeito. Levá-lo à cidade de seu próprio nome, envolta em misticismo e segredos naturais a serem descobertos. O pequeno vilarejo de São Jorge, incrustrado no PARQUE NACIONAL DA CHAPADA DOS VEADEIROS, a mais de 700km de Uberlândia... Local onde julgam muitos, ser um dos pontos de maior energia cinética do mundo, onde se reúnem comunidades de vida alternativa e se encontram Ufólogos e Religiosos de várias tendências. Além de ser um lugar lindo, com várias cachoeiras e paisagens.
Já estive em São Jorge em duas oportunidades, a primeira numa excursão muito louca, acompanhando a extinta banda TULANE, que ia apresentar no Festival de Música da Chapada. Muitos amigos se recordam dessa viagem e do episódio em que o ônibus, chamado por nós de Beethovem (cada parada um concerto), foi abordado num posto policial em Goiás e devido a quantidade de maconha; segundo os policiais ''a maré já tinha chego antes do ônibus, a uns 10, 20 metros”, fomos devidamente extorquidos em uns 200 reais pelos ilustríssimos senhores da lei.
No momento da abordagem, o ônibus parado no posto rodoviário, com a iminência de todas as mochilas serem revistadas, dois estudantes de Direito que estavam sentados bem nas primeiras cadeiras se amedrontaram com a possibilidade de serem autuados por porte de “erva” e não poderem depois prestar suas Provas da OAB, acreditem vocês, comeram todas as suas gramas de maconha, e chegando no camping em São Jorge, dormiram por umas 30 horas dentro de suas barracas, sob o sol esturricante da Chapada.
Algumas meninas que estavam no ônibus tiveram outra idéia; bem melhor do que a dos dois futuros advogados, de esconderem sua maconha dentro das calcinhas. Não é necessário dizer que os baseados bolados por elas, ao pegarmos novamente a estrada, eram os mais disputados.
No final das contas essa viagem foi, um pouco desgastante. Retornei com uma insolação e com um início de pneumonia, adquirida devido à exposição ao sol, ao vento poeirento e ao ar frio da noite. Chegando em Uberlândia cai direto no hospital, internado por dois dias sob soro e antibióticos nas veias.
A segunda vez que estive na Chapada foi diferente, ao menos no que tange minha saúde, mas tão divertida quanto a primeira. Não, minto. Bem mais divertida do que a primeira.
Nessa segunda aventura fui de carona junto com a namorada. Isso foi em 2004. Eu e ela cortamos os mais de 700km de estrada em dois dias. Na noite do primeiro dia dormimos em Brasília numa pensãozinha confortável e hospitaleira, perto do Planalto Central. Depois da janta caminhamos de banho tomado e mãos dadas por quadras e condomínios, na capital do país. Pela manhã, com dificuldade, pegamos carona no trevo de São Gabriel de Goiás e em São João da Aliança, já na estrada de terra que leva a Chapada, empacamos por árduas 4 horas, observando a juventude brasiliense nos fazer comer poeira, ao passar por nós em seus 4x4 e suas pick-ups com garotas só de biquíni nas cabines, nos fazendo caretas e nos chamando de “hippies” e “chinelentos”. Ríamos e cantávamos qualquer canção. Mas lá pelas 4 ou 5 horas, vendo a situação ficar complicada; o sol se preparando pra se pôr e o butiquim onde estávamos, na aridez do Planalto Central, também se preparando pra fechar, resolvemos, eu e ela, pôr em prática o plano B.

“Mocinha de óculos escuro, desprotegida e sozinha na estrada, pede carona, sentada em sua mochila na beira da estrada”.

Fui então me esconder atrás duns arbustos, perto do butiquim tomando uns golinhos da pinguinha que compramos. Depois de um tempo, um casal num Corcel L, parou e ela desembuchou o papo... “meu namorado foi ao banheiro, estamos indo pra São Jorge e bla bla bla...” enfim. Entramos no carro e caímos fora, felizes, indo pro nosso destino final.
Era agosto, mês do aniversário dela e também do Encontro Nacional de Cultura Popular. Um dia depois da nossa chegada, dois casais de amigos de Uberlândia surgiram como “sacys” num redemoinho de poeira, pra nos fazer companhia. Fechando tudo, show de Hermeto Pascoal nos últimos dias. Divertidissímo!!!

Vi então, que acima de tudo pelas coincidências e pelos designos dos Deuses, o destino perfeito prá nós será o Vilarejo de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros.

Hoje às 7 horas da manhã, a campainha de casa toca três vezes. De cara suja ainda, fui abrir a porta.
-Bom dia, Jorge.
-Bom dia, Robisson.
_Já sei pra onde vamos, cara. - eu coçando os olhos e fechando o portão, com São Jorge dentro de casa.
-Eu também já sabia.
-Bicho, vai ser demais.
Minha mochila já estava pronta à alguns dias. Acabei de arrumar o restante das minhas coisas e caímos fora. Não eram 8 da manhã ainda quando pegamos o ônibus e descemos no TERMINAL UMUARAMA. Atravessamos o bairro rumo a Rodovia. Nosso primeiro destino seria Araguari.
Quando jogamos nossas mochilas no asfalto do acostamento, nos olhamos e dissemos sorridentes.
-Fé em Deus, Robisson.
-E pé na estrada, Jorge.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pinturas Abstratas e Desenhos Rupestres




Essa noite, enquanto ela dormia
cuidadosamente fiz tela de seu corpo

Estampas de tigres asiáticos em seus seios
luminária nas maçãs do rosto
pinturas abstratas em seus ombros

Em suas costas cravei, como asas
duas enormes velas, pra iluminar meu peito
e com a ponta da minha língua, suja da sua tinta
risquei
o interior das suas coxas

Imprimi, na sua cintura, como desenhos rupestres
a ponta dos meus dedos
e a palma da minha mão
e delicadamente, tracei o contorno da minha boca
sobre seus lábios

Quadro terminado
Tinta ainda fresca
Pendurei nas paredes do seu coração

Assinei a obra, nas curvas dos seus tornozelos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Meus últimos dias em Sodoma




Nos meus últimos dias em Sodoma andei sobre brasas incandescentes

Contraí vírus sanguíneo mortífero e tetânico

Imprimi uma nova religião às prostitutas e frequentei das melhores saunas aos
piores ''boulevares''

Em becos escuros transei com estranhas, arranhando minha pele em arbustos e
galhos secos

Vendi minha alma diversas vezes aos demônios da noite
[impávidos donos da situação eles caminham lentos]


Você treme eles riem

Você implora eles riem

Você se fode eles riem


Nos meus últimos dias em Sodoma abracei e andei com amigos desconhecidos

nos divertindo e confabulando com mascates e falsos pastores de ovelhas.

Traficando com mercadores de absinto, mercadores de ópio, mercadores de
haxixe

em jantares com ilustres cidadãos Sodomitas devorando carne podre e doses de
cicuta

Nos meus últimos dias em Sodoma quis ir até onde conseguisse e quis testar meus
limites

testar os limites do mundo, testar os laços que me sustentam


E tive iluminação...


As estradas são longas, longas, longas

As estradas são minhas amigas

Nelas eu posso confiar

Acreditar que seja verdade onde elas dizem que vão

Sempre

Então sigo sem signo e rumo sem rumo pr'onde sei ser meu lugar
E antes que isto tudo afunde
ou se consuma em fogo

eu

quero estar bem longe
...