terça-feira, 23 de março de 2010
São Jorge – terça-feira 23 Parte III
Sabia que alguma coisa iria acontecer. Muito provavelmente seria hoje. Talvez antes. Mas intimamente eu previa e supunha que o marco crucial de algo que acabaria por mudar a minha vida, a data-chave para o início da cruzada que São Jorge tencionava realizar seria nesta terça-feira 23 de Março.
Nos dias que se seguiram ao nosso último encontro, em Fevereiro, me envolvi com pesquisas de um novo projeto e saborosamente me tornei um recluso, dormindo e acordando bem cedo, abrindo exceções apenas nas noites bem estreladas, quando parto para algum local descampado e ermo, nos arredores da cidade, munido de um novo presente; um detalhado mapa das constelações. E devidamente bem acompanhado, me pego a decifrar o caminho das estrelas no céu... Andrômeda, Aquário e Peixes já as encontro fácil. Voltando pra casa, olhando a escuridão brilhante dos corpos celestes, me pergunto qual destas estrelas já estaria morta e ainda sim vemos seu brilho anos luz de distância. Um amigo diria n’um de seus poemas
“Vistosa por fora,
Morta por dentro”
Ao acordar, pelas manhãs sincronizo a localização da Lua aguardando seu ilustre morador. Minha grande dúvida é o que exatamente São Jorge gostaria de fazer aqui na Terra? Qual, na verdade, era sua intenção. Quais provações, visões pretende buscar. O que gostaria de ver e sentir? E assim, eu me perguntava, o que mostrar a um homem que é imortal, tem centenas de anos de vidas nas costas, pode fazer milagres bem como o que quer?
Por vários dias e em diversos momentos essa pergunta me inquietou. Em casa, ouvindo música, na rua dirigindo e estacionando o carro, depois do almoço vendo os noticiários de esporte, lendo um livro antes de dormir. A toda hora me pegava pensando no que poderíamos fazer. Ainda por cima, ele havia dito que eu já sabia a resposta. Isso era o que mais me intrigava. Como assim?
Certa noite, fumando um cigarro e contemplando o calor da brasa entre meus dedos, num estalo compreendi que seria talvez aonde eu quisesse levá-lo. Seria essa a resposta? A qualquer lugar? Raciocinei melhor e então vi que o ideal seria irmos a algum lugar também simbólico do que seja a passagem de um Santo pela Terra.
Comecei a repassar mentalmente os lugares que havia estado. Montes Claros, Belo Horizonte, Campinas, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Floripa, Curitiba, Salvador, Recife, Teresina, Porto Seguro, Cuiaba, Goiânia, Brasília... Chapada dos Veadeiros.
Opa... Bingo!!!
Chapada dos Veadeiros, Alto Paraíso e... São Jorge.
Meu Deus!!! Nada poderia ser mais perfeito. Levá-lo à cidade de seu próprio nome, envolta em misticismo e segredos naturais a serem descobertos. O pequeno vilarejo de São Jorge, incrustrado no PARQUE NACIONAL DA CHAPADA DOS VEADEIROS, a mais de 700km de Uberlândia... Local onde julgam muitos, ser um dos pontos de maior energia cinética do mundo, onde se reúnem comunidades de vida alternativa e se encontram Ufólogos e Religiosos de várias tendências. Além de ser um lugar lindo, com várias cachoeiras e paisagens.
Já estive em São Jorge em duas oportunidades, a primeira numa excursão muito louca, acompanhando a extinta banda TULANE, que ia apresentar no Festival de Música da Chapada. Muitos amigos se recordam dessa viagem e do episódio em que o ônibus, chamado por nós de Beethovem (cada parada um concerto), foi abordado num posto policial em Goiás e devido a quantidade de maconha; segundo os policiais ''a maré já tinha chego antes do ônibus, a uns 10, 20 metros”, fomos devidamente extorquidos em uns 200 reais pelos ilustríssimos senhores da lei.
No momento da abordagem, o ônibus parado no posto rodoviário, com a iminência de todas as mochilas serem revistadas, dois estudantes de Direito que estavam sentados bem nas primeiras cadeiras se amedrontaram com a possibilidade de serem autuados por porte de “erva” e não poderem depois prestar suas Provas da OAB, acreditem vocês, comeram todas as suas gramas de maconha, e chegando no camping em São Jorge, dormiram por umas 30 horas dentro de suas barracas, sob o sol esturricante da Chapada.
Algumas meninas que estavam no ônibus tiveram outra idéia; bem melhor do que a dos dois futuros advogados, de esconderem sua maconha dentro das calcinhas. Não é necessário dizer que os baseados bolados por elas, ao pegarmos novamente a estrada, eram os mais disputados.
No final das contas essa viagem foi, um pouco desgastante. Retornei com uma insolação e com um início de pneumonia, adquirida devido à exposição ao sol, ao vento poeirento e ao ar frio da noite. Chegando em Uberlândia cai direto no hospital, internado por dois dias sob soro e antibióticos nas veias.
A segunda vez que estive na Chapada foi diferente, ao menos no que tange minha saúde, mas tão divertida quanto a primeira. Não, minto. Bem mais divertida do que a primeira.
Nessa segunda aventura fui de carona junto com a namorada. Isso foi em 2004. Eu e ela cortamos os mais de 700km de estrada em dois dias. Na noite do primeiro dia dormimos em Brasília numa pensãozinha confortável e hospitaleira, perto do Planalto Central. Depois da janta caminhamos de banho tomado e mãos dadas por quadras e condomínios, na capital do país. Pela manhã, com dificuldade, pegamos carona no trevo de São Gabriel de Goiás e em São João da Aliança, já na estrada de terra que leva a Chapada, empacamos por árduas 4 horas, observando a juventude brasiliense nos fazer comer poeira, ao passar por nós em seus 4x4 e suas pick-ups com garotas só de biquíni nas cabines, nos fazendo caretas e nos chamando de “hippies” e “chinelentos”. Ríamos e cantávamos qualquer canção. Mas lá pelas 4 ou 5 horas, vendo a situação ficar complicada; o sol se preparando pra se pôr e o butiquim onde estávamos, na aridez do Planalto Central, também se preparando pra fechar, resolvemos, eu e ela, pôr em prática o plano B.
“Mocinha de óculos escuro, desprotegida e sozinha na estrada, pede carona, sentada em sua mochila na beira da estrada”.
Fui então me esconder atrás duns arbustos, perto do butiquim tomando uns golinhos da pinguinha que compramos. Depois de um tempo, um casal num Corcel L, parou e ela desembuchou o papo... “meu namorado foi ao banheiro, estamos indo pra São Jorge e bla bla bla...” enfim. Entramos no carro e caímos fora, felizes, indo pro nosso destino final.
Era agosto, mês do aniversário dela e também do Encontro Nacional de Cultura Popular. Um dia depois da nossa chegada, dois casais de amigos de Uberlândia surgiram como “sacys” num redemoinho de poeira, pra nos fazer companhia. Fechando tudo, show de Hermeto Pascoal nos últimos dias. Divertidissímo!!!
Vi então, que acima de tudo pelas coincidências e pelos designos dos Deuses, o destino perfeito prá nós será o Vilarejo de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros.
Hoje às 7 horas da manhã, a campainha de casa toca três vezes. De cara suja ainda, fui abrir a porta.
-Bom dia, Jorge.
-Bom dia, Robisson.
_Já sei pra onde vamos, cara. - eu coçando os olhos e fechando o portão, com São Jorge dentro de casa.
-Eu também já sabia.
-Bicho, vai ser demais.
Minha mochila já estava pronta à alguns dias. Acabei de arrumar o restante das minhas coisas e caímos fora. Não eram 8 da manhã ainda quando pegamos o ônibus e descemos no TERMINAL UMUARAMA. Atravessamos o bairro rumo a Rodovia. Nosso primeiro destino seria Araguari.
Quando jogamos nossas mochilas no asfalto do acostamento, nos olhamos e dissemos sorridentes.
-Fé em Deus, Robisson.
-E pé na estrada, Jorge.
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2 comentários:
Meu caro, você tem ciencia que isto que escreveu é quase um livro, li cada palavra e arrepiei, muito bom,
sempre muito bom.
Inspirador! Me fez fez lembrar "o barril de amontilado" do Baudelaire e aquele filme... "o todo poderoso". rs
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