quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakowski no verão da datcha




Vladimir Maiakowski 1920
(trad. Augusto de Campos)





A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava no ar e nos lençóis da datcha onde eu estava.

Na colina de Púchkino, corcunda, o monte Akula, e ao pé do monte, a aldeia enruga a casa dos telhados.
E atrás da aldeia, um buraco e no buraco, todo dia, o mesmo ato:
o sol descia lento e exato.
E de manhã outra vez
por toda a parte lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia isto começou a irritar-me terrivelmente.

Um dia me enfureço a tal ponto que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
"Desce! Chega de vadiar nessa fornalha!"
E grito ao sol:
"Parasita! Você, aí, a flanar pelos ares, e eu, aqui, cheio de tinta, com a cara nos cartazes!"
E grito ao sol:
"Espere! Ouça, topete de ouro, e se em lugar desse ocaso de paxá você baixar em casa para um chá?"

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!

Para mim sem perder tempo o sol alargando os raios-passos avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas, pelas portas, pelas frestas, a massa solar vem abaixo e invade a minha casa.

Recobrando o fôlego, me diz o sol com voz de baixo:
"Pela primeira vez recolho o fogo, desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá, pegue a compota, poeta!"
Lágrimas na ponta dos olhos - o calor me fazia desvairar - eu lhe mostro o samovar:
"Pois bem, sente-se, astro!"

Quem me mandou berrar ao sol insolências sem conta?
Contrafeito me sento numa ponta do banco e espero a conta com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade fluía sobre o quarto e esquecendo os cuidados começo pouco a pouco a palestrar com o astro.
Falo disso e daquilo, como me cansa a Rosta, etc.
E o sol:
"Está certo, mas não se desgoste, não pinte as coisas tão pretas. E eu? Você pensa que brilhar é fácil? Prove, pra ver! Mas quando se começa é preciso prosseguir e a gente vai e brilha pra valer!"
Conversamos até a noite ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos, os dois.
Logo, com desassombro, estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
"Somos amigos pra sempre, eu de você, você de mim. Vamos poeta, cantar, luzir no lixo cinza do universo. Eu verterei o meu sol e você o seu com seus versos."

O muro das sombras, prisão das trevas, desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz, chamas por toda a parte.

Se o sol se cansa e a noite lenta quer ir pra cama, marmota sonolenta, eu, de repente, inflamo a minha flama e o dia fulge novamente.

Brilhar pra sempre
brilhar como um farol
brilhar com brilho eterno
gente é pra brilhar
que tudo mais vá pro
inferno

este é o meu slogan

e o do sol.

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1. Datcha - casa de veraneio.
2. Versta - medida itinerária equivalente a 1,067m.
3. Rosta - A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias - as "janelas" Rosta -, de 1919 a 1922.


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poema dos meus prediletos...
que mais dizer.



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