segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Relato sobre o sono morno dos assassinos


Agraciado com coroas de espinhos e restos mortais das mãos do Rei, ao retornar de minhas peregrinações por terras infindáveis, me vi solitário em meio à multidão e a cidade.


Ao relembrar das casas incineradas e do choro das mulheres e mães por seus filhos mortos, me senti somente desgraçado. Sai do palácio após a cerimônia e mesmo com todas as congratulações pelas mortes e mutilações, os plebeus não reconheciam seu maior assassino e herói.


Caminhei por entre as ruas em festa, sentindo o corpo exausto e cansado, pensando no sono morno dos assassinos que me aguardaria durantes quantas noites daqui em diante, dos calafrios e dos pesadelos, dos delírios e das lembranças, e desejava que naquele momento ninguém dirigisse a palavra a mim.


Bebi vinho e me ajeitei num canto, quieto, da praça central. Imaginei se cada uma daquelas pessoas que festejavam ali pudesse ver o campo de batalha atulhado de corpos, o cheiro de carne queimada e sangue, o grito animalesco dos convalescentes pedindo ajuda.


Mas essa imagem seria pueril, e de nada valeria na minha intenção de demovê-los daquela alegria insana, pois alguns apreciariam, inocentes, a idéia gloriosa da carnificina. E eu não conseguiria fazê-los sentir o que sinto, o mais insano e desesperador dos sentimentos, o do guerreiro que se pergunta, após a vitória, se vale à pena matar, olhando a seus pés os amigos mortos.


De uma forma ou de outra se morre d’alguma maneira numa guerra...

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